Cumprimento do acordo de Argel: EX-COMANDOS AFRICANOS NA GUINÉ-BISSAU EXIGEM O DIREITO À NACIONALIDADE

A associação dos ex-combatentes das forças armadas portuguesas na Guiné-Bissau (ADECOFARP-GB) insurgiu-se contra a passividade das autoridades portuguesas face a várias situações que enfrentam no país e exige a devolução da nacionalidade portuguesa.

Numa carta reivindicativa a que o jornal O Democrata teve acesso, os ex-combatentes dizem querer o reconhecimento incondicional e imediato do seu direito à nacionalidade portuguesa, a abertura de um guichet particular na embaixada para atendimento e processamento dos assuntos dos ex-combatentes portugueses, o pagamento de pensões de sangue, de invalidez e das suas reformas aos seus descendentes, demais vítimas e ou ofendidos.

A Associação criticou o fato de ter sido decidido que apenas poderiam ser portugueses, os que, porquanto tiveram sorte divina de serem pessoas da cor ou da raça branca, nomeadamente, cabo-verdianos, moçambicanos, angolanos, independentemente do lugar onde residiam a altura do 25 de abril de 1975, e não os que, verdadeiramente se sacrificaram com o seu suor em nome de Portugal, no campo da batalha e nunca pouparam suas vidas em prol desta pátria.

ASSOCIAÇÃO CRITICA MEDIDAS “ILEGAIS” PERPETRADAS POR RESPONSÁVEIS ULTRAMARINOS

A ADECOFARP-GB informou que, entre 1963 e 1974, combateram na Guiné-Bissau 250 mil militares guineenses, dos quais quarenta mil eram guineenses de origem, “cumprindo o dever militar integral a favor de Portugal, com as respetivas garantias constitucionais como portugueses”.

“Alguns destes homens foram encarcerados pelas novas autoridades guineenses, neste caso, o novo Estado depois da independência, que os considerava como traidores da pátria, infiéis e oportunistas”, lembrou a organização, apontando estes fatos como uma das razões fortes para o fuzilamento de alguns destes combatentes “morticínio dos portugueses combatentes pelos estados independentistas”.

Os ex-combatentes lamentam que, volvidos 50 anos da independência tenham aumentado mortos, inválidos, fuzilamentos, conspiração e demais “atos bárbaros “contra os antigos combatentes das forças armadas portuguesas na Guiné-Bissau.

“Dados fiáveis e passíveis de confirmação através de textos extraídos das bibliografias de estudos e testemunhos colhidos no campo de batalha, de testemunhas ainda em vida, explicam e confirmam os números alarmantes e crescentes diariamente…durante 50 anos de silêncio sobre um crime do Estado português”, pode ler-se na carta. 

Segundo os ex-combatentes, estima-se que terão sido fuzilados “barbaramente” entre quinhentos a setecentos veteranos da guerra sob bandeira portuguesa, nos campos de Jolmete, Cumeré, Porto Gole, Farim, Mansoa, Bafatá, Bissau e outros lugares do país por identificar.

“Com alguma perplexidade, porque era designada de províncias ultramarinas. Muitos cobriram-se de glória   no campo de batalha, mas alguma ingratidão básica à memória dos portugueses lembra do ex-combatente luso descendente, Marcelino da Mata, com devido carinho, afeto, respeito e admiração. Mas muitos e milhares de outros, menos conhecidos que o Marcelino da Mata, serviram com igual fidelidade, lealdade, integridade e retidão a causa nacional portuguesa “, criticam.

Criticaram ainda medidas “ilegais, ilegítimas e indevidas”, que dizem terem sido perpetradas pelos então responsáveis máximos das províncias ultramarinas, nomeadamente António de Almeida Santos, Mário Soares e pelo então Presidente da República, António de Spínola, que de forma sumária e despida de cobertura legal, “privaram da nacionalidade, ao aqui em menção, ora peticionários e reclamantes, através do inconstitucional decreto-lei nº308/75, de junho de 1975”.

“Em consequência do ato aqui perpetrado pelos responsáveis ultramarinos, foi-nos   privado o direito de obter peças de identificação, particularmente cédulas pessoais, bilhetes de identificação, passaportes e demais peças de identificação dos nascidos na província ultramarina”, denunciaram.

Os militares africanos  que lutaram   na Guiné-Bissau nas Forças Armadas Portuguesas frisaram que a exigência contida na petição, de lhes ser devolvida a nacionalidade portuguesa,  foi há muito  manifestada e difundida pela comunicação  social  nacional e internacional, máxime, pelo Diário de Notícias de 26 de setembro de 2022, com escritos textuais da autoria de Paula Sá, como também  de um artigo de opinião  de um dos signatários  da petição    em causa, Amadu Jau, presidente  da Associação  dos ex-combatentes das Forças  Armadas Portuguesas.

Alertaram que, pela amplitude do assunto, contextualização   geral e específica, essa matéria requer grandes pormenores e detalhes que retiram não só o tempo, mas também o gosto ao mesmo, devido à tamanha tristeza que se faz sentir e viver.

Ainda assim dizem que, à pátria gostariam de declarar de forma solene e pública, seria no todo inaceitável e inquestionável essa pretensão não ter sido atendida (revolta  dos combatentes portugueses em relação à nacionalidade dos seus irmãos portugueses que defenderam Portugal, a integração da ADECFARP na liga dos combatentes portugueses, a devolução da nacionalidade, a abertura de um guichet  particular para o atendimentos e processamento dos assuntos dos ex-combatentes e o pagamento das pensões de sangue, de invalidez, e da reforma aos familiares das vítimas).

Reconheceram que, politicamente, o Estado Novo não tem a responsabilidade histórica de ter desperdiçado o esforço de guerra dos 1.367.896 homens, 443.649 dos quais resultantes do recrutamento local que, segundo os dados fiáveis do Estado-Maior do Exército, passaram pelas fileiras das FAP nas guerras ultramarinas, entre 1961 e 1974.

“São no todo treze anos de sacrifícios e mobilização nacional que fizeram Portugal ficar perto do Vietname do Norte no topo mundial da despesa militar. Os mesmos dados indicam que foram sacrificados à fantasia de uma guerra infinita e ridícula, sem estar ao serviço de uma política que permitisse uma autonomia progressiva, sem exclusão de ninguém dos territórios ultramarinos”, sublinharam.

EX-COMBATENTES EXIGEM O CUMPRIMENTO DO ACORDO DE ARGEL

Os então comandos africanos recordaram que  na assinatura do acordo de Argel, em 26 de agosto de 1974, entre o Estado português e o Estado guineense,  Portugal obteve do PAIGC a promessa de que os seus militares naturais da Guiné-Bissau seriam respeitados, sendo até mencionado  e plasmado no artº 26 do acordo em referência, bem como o Governo português participaria  num plano  de reintegração  na vida civil dos cidadãos  da República da Guiné-Bissau que tivessem prestado serviço militar nas forças armadas portuguesas e, em especial, dos graduados  das companhias e comandos africanos.

O mesmo acordo de Argel impôs de forma categórica, no seu artº24, ao Estado português o pagamento de todos os vencimentos devidos até aos final de 1974, e mais ainda as pensões de sangue, de invalidez e de reforma devidos aos antigos combatentes com direito a tal…(omissão dos direitos  e da defesa dos portugueses africanos nas negociações da independência) .

“Logo no outono de 1974, numa vingança brutal, o PAIGC começou a fuzilar os primeiros comandantes guineenses das FAP. Como ficou referido num estudo de investigação feito por Eduardo Dâmaso e Adelino Gomes intitulado: que certidões de óbito manifestavam uma rude sinceridade- “faleceu por fuzilamento”, denunciaram.

De acordo com os dados do estudo, o tenente Abdulai Queta Jamanca terá sido o primeiro a ser assassinado. O estudo questiona: quantos mais terão tombado? 700 parece ser o número mínimo? A cifra real poderá ser muito superior?

Para além destes fatos, informaram que uma investigadora da Universidade de Coimbra, Fátima da Cruz Rodrigues, especialista neste tema, também terá destacado a situação de “crueldade excecional “a que foram submetidos esses combatentes, em comparação com os de Angola e de Moçambique.

“A história não é um tribunal, nem serve para a edificação das almas. O que esses guerreiros abandonados na derrocada do império pedem, não é uma justiça impossível de se satisfazer, mas o direito de acabarem os seus dias como cidadãos do país pelo qual deram o seu sangue e confiaram as suas vidas”, descrevem, terminando com esta frase: “favor apaguem uma vergonha da história de Portugal…”

Por: Filomeno Sambú

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