Setor de Cacine: ADMINISTRADOR DO HOSPITAL “CHORA” POR FALTA DE MÉDICOS, PARTEIRAS E AMBULÂNCIAS

O administrador do Centro de Saúde do setor de Cacine 14 de novembro, região de Tombali, Mamudo Camará, implorou ao executivo no sentido alocar técnicos de saúde, parteiras e ambulância àquela unidade de saúde fustigada pelas péssimas condições das estradas  para salvar as vidas das populações.   

Cacine é um dos grandes setores da região de Tombali, localizado no sul da Guiné-Bissau. Segundo o censo demográfico de 2009, o setor possuía 15 648 habitantes. O setor conta com duas áreas sanitárias e a área mais extensa tem três estruturas sanitárias, a maioria de doentes graves são evacuados para a capital Bissau ou para o hospital regional de Tombali.   

A cidade de Cacine tem um centro de saúde do Tipo Ccom a capacidade para dois médicos, mas atualmente o centro não tem nenhum nem sequer uma única parteira. Apenas conta com enfermeiros que fazem todo o tipo de serviços.

O centro oferece serviços de consultas externas, urgências e a maternidade, assegurados neste momento por uma equipa de quatro enfermeiros.

ADMINISTRADOR DO CENTRO DESMENTE A MORTE DA GRÁVIDA EVACUADA EM MOTO TÁXI

O administrador do Centro de Saúde do setor, Mamudo Camará, desmentiu rumores, segundo os quais uma grávida que estava a ser transportada numa moto táxi teria falecido a caminho do centro local.

Em entrevista ao jornal O Democrata para falar do funcionamento do centro, das evacuações e da situação sanitária, Mamudo Camará confirmou, antes da produção deste artigo, que a mulher deu à luz gémeos e estava a recuperar muito bem no centro.

“Recebemos solicitações, mas o centro não tinha  nemsequer meios para se deslocar até à aldeia.   Como os familiares estavam preocupados, tiveram que arriscar e transportaram-na numa moto táxi. Imagine   se   desse à luz na tabanca, talvez a situação fosse bem mais complicada do que arriscar e transportá-la. Não estamos a falar de um único caso em Cacine, porque isto de solicitar as moto táxis é frequente e faz-se a cada dia”, afirmou     

Mamudo Camará revelou ao jornal O Democrata que a falta de médicos e de parteiras é do conhecimento da delegacia regional e do governo central, frisando que num dos processos de colocação de técnicos, a direção tinha recebido nomes de dois médicos, que nunca apareceram no centro.

“Quando assumi as funções em 2015, encontrei apenas um médico que depois foi transferido para Simão Mendes. Neste momento, esse médico está no Brasil. Desde então, nunca mais recebemos médicos”, disse, para de seguida afirmar que para responder às demandas da população, a equipa de técnicos que atualmente assegura o funcionamento do centro redobra esforços diariamente e está  implicada em quase tudo, nas consultas, nos partos e em todas as operações relativas à clínica.

SITUAÇÃO SOCIOCULTURAL NÃO CONTRIBUI PARA A MELHORIA DO SISTEMA SANITÁRIO 

Questionado se o centro dispõe de água canalizada, Camará disse que a água que a Agência das Nações para a Infância (UNICEF) ajudou a repor depois de várias diligências, não dá para o consumo humano (não e potável), porque contém ferrugem causada por produtos químicos.

Em relação à eletricidade, Mamudo Camará revelou que havia painéis solares  que forneciam a corrente eclética ao centro, mas nos finais de janeiro e princípios de fevereiro deste ano,  houve um apagão total porque as baterias estavam avariadas e já não conseguiamos carregá-las. Apenas durante o dia tínhamos alguma eficiência, mas à noite ficava tudo muito   escuro, até quando a direção decidiu retirar recursos  de um fundo doado  pelas ONG´s,  no âmbito do programa CPN – crianças menores de cinco anos, correspondente ao reembolso das evacuações  que o centro faz de situações criticas, no valor de seiscentos e setenta e cinco mil francos CFA para repor e regularizar o fornecimento da energia elétrica  ao centro.

“Esse montante retirado da conta do centro colocou a direção numa situação financeira muito difícil. Se tivéssemos  esse dinheiro, não teríamos dificuldades em reparar as duas ambulâncias. Neste momento, precisamos repor os medicamentos e recuperar as ambulâncias, mas na nossa conta bancária não temos quase nada que possa cobrir tudo isso. Repare, se decidirmos tirar tudo da conta para colmatar esses problemas, não poderemos repor os medicamentos essenciais e pagar os contratados, neste caso, trabalhadores de serviços gerais”, referiu.  

O centro está a trabalhar a meio gás, por não ter médico nem laboratório, apenas está a funcionar com enfermeiros.

O setor de Cacine, segundo Mamudo Caramá, tem duas áreas sanitárias, a área mais extensa tem três estruturas. Uma das dificuldades que o centro enfrenta é a situação geográfica de Cacine, do acesso à estrada, falta de meios para o seu funcionamento eficaz, falta de recursos humanos, nomeadamente médicos e parteiras, bem como meios de transporte para evacuação de doentes, em condições adequadas, para o Hospital regional Musna Sambú de Tombali, ou para o Hospital Nacional Simão Mendes e o Hospital Militar em Bissau.

“Neste momento, o centro tem apenas uma motorizada. Se estiver fora do centro em serviço ou nas zonas estratégicas, todos os outros serviços ficam paralisados. O edifício não está em condições, há infiltrações das águas das chuvas. Quando chove, constitui uma grande dor de cabeça para a administração do centro”, frisou, para de seguida afirmar que mesmo com essas dificuldades, o centro consegue fazer internamentos, graças ao empenho e determinação dos técnicos.

Segundo Mamudo Caramá, o centro de saúde de Cacine tem capacidade para 28 camas, mas devido ao tipo de patologias que recebe e às condições de atendimento desses casos, a direção é obrigada, muitas vezes, a evacuar imediatamente os doentes para outros centros e hospitais do país, mas “casos relacionados com o paludismo são internados e seguidos devidamente, porque temos condições e medicamentos para tratamento de pessoas que padecem dessa doença”.

A situação de medicamentosa não é das melhores, porque são adquiridos em Bissau e é um problema transportá-los. O seu transporte de Bissau para cá cria muitos constrangimentos à direção. Também o centro não faz grandes receitas para poder comparar medicamentos.

O administrador do centro de saúde de Cacine apontou a situação sociocultural como um dos elementos que não tem contribuído em nada para melhorar o sistema sanitário a nível do setor de Cacine, revelando que os doentes preferem ficar mais tempo em casa do que  a procurar um centro de saúde ou posto sanitário mais próximo, porque “apostam nos medicamentos tradicionais e quando chegam ao centro, chegam já em estado critico. Isso faz com que não tenhamos um fluxo de pacientes nas consultas e, consequentemente, obstaculiza a geração de receitas para cobrir que possam cobrir as despesas internas e assegurar o pagamento de salários aos contratados”.

“Se o centro continuar a trabalhar a meio gás, é pouco provável que venhamos a ter condições para cobrir as despesas obrigatórias, nomeadamente a reposição de medicamentos e o pagamento aos contratados”, alertou e acrescentando que um dos maiores problemas é a falta de intervenção, em termos financeiros, das autoridades e dos superiores hierárquico. Apenas a direção regional tem feito algumas diligências neste sentido.

“Estou há oito anos como administrador desse centro. Apenas a minha equipa e Deus sabe quantas ginásticas fazemos para assegurar o seu funcionamento. O exemplo concreto de falta de apoios financeiros são as avarias das duas ambulâncias, derivadas de questões mecânicas. Não somos mecânicos, nem temos uma oficina montada em Cacine e temos tido dificuldades em conseguir dinheiro para resolver essas avarias. Quando as ambulâncias avariam, solicitamos um mecânico a partir de Catió, que tem o único mecânico para cuidar das ambulâncias de Quebo, de Cacine e de Catió. Às vezes deslocá-lo custa muito, mesmo tendo peças e dinheiro para pagá-lo, porque é o único com especialidade nessa área. É todo um processo lento e mais, o povo é a principal vítima de toda essa morosidade. 

Também as ambulâncias que temos neste momento estão velhas e em condições péssimas. Mesmo estando concertadas não são seguras porque duram pouco tempo e estão com avarias há sensivelmente três meses.

De acordo com Mamudo Camará, uma das a ambulâncias está com problemas de caixa e a outra de velas incandescentes e da correia de distribuição , alertando que se até ao período das chuvas essas viaturas não forem concertadas, o pior poderá acontecer porque as estradas não estão em condição.

Informou que o montante estimado para a reparação de uma das viaturas que havia sido reparada com a ajuda financeira de um dos filhos do setor de Cacine é de duzentos e cinquenta mil francos CFA´s, tendo sido já enviada uma parte, mas a direção não conseguiu mobilizar dinheiro para pagar o mecânico, porque “as receitas chegam a conta gotas”.

Revelou que familiares de doentes em situações críticas recorrem à  moto táxis para evacuá-los, mas nem sempre é fácil para os próprios familiares, porque “Cacine não tem estradas em condições  como Buba ou Quebo. Sempre que é preciso evacuar um doente de Camissoro, Canifac, Cassumba… os familiares recorrem a moto táxis, que em maioria de casos em vez de ajudar, agravam a situação dos pacientes, por falta de conforto.

Mamudo Camará frisou que a maior parte das evacuações é feita de Cacine para o hospital regional Musna Sambú de Catió, apenas casos específicos como a Noma e outras doenças são evacuados para o Hospital Militar ou para o Simão Mendes em Bissau.

“Casos das gravidas em trabalho de parto são atendidos em Catió, mesmo as cesarianas, salvo as situações críticas. As gravidas são transportadas até a travessia de Bedanda e de lá a ambulância de Catió faz o resto do trabalho”, indicou.     

FALTA DE AMBULÂNCIA PARA EVACUAÇŌES  PROVOCA MORTE A TRÊS PESSOAS INCLUINDO UMA GRÁVIDA

Sobre a situação do centro de saúde e das infraestruturas rodoviárias enfrentada pela população daquela zona, o presidente da Associação de Jovens de Cacine, Abubacar Djau, revelou na entrevista ao nosso semanário que a inoperabilidade das ambulâncias do centro de saúde de Cacine já esteve na origem da morte de três pessoas, incluindo uma grávida de sete meses.

O centro dispõe de duas ambulâncias que evacuavam doentes de Cacine para Catió e Bissau, mas neste momento estão paradas há mais de três meses, devido a avarias.

“Grávidas e doentes que precisam ser evacuados neste momento estão em dificuldades financeiras e  não têm como sair por falta de meios de transporte e em consequência morreram três pacientes que precisavam ser evacuados para um centro de saúde mais especializado, incluindo uma grávida de sete meses”, precisou.

Revelou que no passado  dia 3 de  abril morreu uma de sete meses, quando os familiares estavam a fazer diligências  para alugar uma viatura “Guiri-Guiri”, mas os técnicos de saúde aconselharam a não colocarem a grávida nessa viatura, por falta de conforto e na tentativa de esperar por melhores condições e uma  ambulância que pudesse evacuá-la, a senhora perdeu a vida. 

Portanto “é urgente   mudar a situação, criar as condições para a manutenção das ambulâncias para ajudar a população daquela zona na evacuação de pacientes”.


Abubacar Djau denunciou que o atendimento a doentes  no centro não é  “saudável” e há situações em que técnicos abandonam os pacientes internados a noite.

” Às vezes, quando são solicitados para assistir doentes de dia, mostram pouco  profissionalismo e isso tem criado um mal estar”, denunciou.

FALTA DE PROFESSORES PÕE EM CAUSA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS

Abubacar Djau afirmou que a falta de professores  nasescolas públicas está a colocar em causa o processo de aprendizagem das crianças em Cacine. Apesar de as escolas estarem a funcionar normalmente, as “crianças das tabancas  que deparam com  falta de professores estão a deslocar-se para  as aldeias mais próximas para ter acesso à escola, sobrecarregando os professores”.  

“Essa situação de falta de professores põe em causa a aprendizagem das crianças, porque não conseguem ter tempo suficiente de aulas e isso obriga os professores a trabalharem fora do normal, o tem  as suas consequência em termos pedagógicos, sor isso é preciso resolver a situação da falta de professores para permitir que as crianças aprendam melhor e em tempo útil”, sublinhou.

Questionado sobre o relacionamento entre  os populares de Cacine e os da Guiné-Conacri, o responsável respondeu que são obrigados a relacionarem  bem com povo da Guiné-Conacri, porque vivem na linha de fronteira, entre 5 e 7 quilómetros,  sobretudo na região de Boké, setores de Sansale e Canfarande.

“Partilhamos quase tudo. Vivemos num ambiente misto. Quem vive em Cacine cultiva tudo como quem vive em Boké, portanto temos boas relações, embora tenha havido alguns choques culturais, que nos diferenciam um do outro”, disse.

Abubacar Djau disse que em termos de circulação de pessoas e bens na linha fronteiriça entre os dois países, nem tudo tem corrido bem, porque às vezes é bom, às vezes os guineenses que se deslocam à região de Boké são confrontados com algumas exigências documentais e pagamentos em dinheiro de forma injusta.

“Os grandes constrangimentos entre os dois povos são situações socioculturais, higiene, o respeito às normas e as leis, mas do resto fazem tudo e em termos de comunicação, percebem-se. A população de Cacine fala Susu e Fula, duas línguas faladas no país vizinho e alguns dos de lá falam fluentemente o crioulo”, assinalou.

Abubacar Djau frisou que apesar de Cacine estar rodeado de mar, a população não tem acesso a peixe de qualidade, porque todo o pescado é transportado para Bissau e a maioria dos pescadores que se fazem ao mar de Cacine são estrangeiros da Guiné-Conacri, da Serra Leoa, do Senegal e de outras nacionalidades.

Relativamente à exploração de madeiras, assegurou que é uma prática quase nula, apenas os habitantes fazem pequenas exploração de madeira para trabalhos domésticos, não para fins comerciais.

Abubacar Djau afirmou que devido às dificuldades, os comerciantes aproveitam da fragilidade da população em sítios onde a presença do Estado não é frequente para comprar castanha de caju a 250 francos CFA´s por quilograma ao produtor, ignorando o preço base de 375 franco CFA fixado pelo governo.

“Portanto essa é a realidade que os populares daquela zona vivem. Há ausência total do Estado e a população é fustigada a cada dia e caso fracasse a campanha de comercialização da castanha de cajú, desconheço outra orientação ou medida que os produtores possam adotar”.

Segundo o líder juvenil, não existe nenhum plano de desenvolvimento setorial que coloque os jovens como prioridade, razão pela qual decidiram criar organizações juvenis locais de promoção de  algumas iniciativas para ajudar a comunidade local e as mulheres que praticam atividades de pesca, da horticultura e outras atividades como microcrédito (promovidos por parceiros de desenvolvimento da Guiné-Bissau).

“O maior problema que a juventude de Cacine enfrenta tem a ver com a falta de escolas de formação técnica profissional que permita aos jovens com o 12º ano de escolaridade concluído, se formem em diferentes áreas e iniciem as suas vidas profissionais. Com esta situação, cada jovem arisca para conseguir ganhar “o pão de cada dia”, porque não existe espaço de oportunidades para criar rendimentos. Por causa desta situação, alguns jovens praticam a pesca e o comércio para ganhar pão de cada dia”, assinalou.

POPULARES DE CACINE CLAMAM PELA MECANIZAÇÃO DA AGRICULTURA PARA ERRADICAR A FOME

Abubacar Djau afirmou que “a maior parte dos produtos que consomem vem da Guiné-Conacri e alguns de Bissau. Estamos a 5 e 7 quilómetros, por isso recorremos mais à Guiné-Conacri, tambem porque algumas tabancas de Cacine estão na linha da fronteira  e fazem as suas atividades diárias na Guiné-Conacri”, esclareceu, para de seguida frisar que no setor agrícola faz-se dois tipos de cultivo, um de bolanhas e  outro de “mpampam”.

“Os agricultores que cultivam nas bolanhas não dispõem de meios adequados para  desenvolver essa atividade e produzir grande quantidade de arroz, por isso alguns populares de Cacine correm risco de fome. Mesmo com a campanha de comercialização de castanha de cajú, não conseguem assegurar a autossuficiência alimentar, de maneira que é preciso o executivo olhar e estender a mão para Cacine, mecanizar a agricultura e erradicar a fome  antes que seja tarde”.

O líder da Associação de Jovens de Cacine alertou que já por várias vezes as inundações, erosões e as alterações climáticas já se fizeram sentir e bolanhas foram aniquiladas, arruinadas tabancas arredores do mar, deixando muitas famílias de Cacine sem teto.

Instado a pronunciar-se sobre a violência doméstica, o casamento forçado e precoce, roubos, falta de água potável e segurança dos cidadãos, Abubacar Djau  afirmou que há casos de casamento forçado e gravidez precoce naquela zona sul do país.

“Não temos registado roubo frequente de gado, mas o maior problema é aceder à água potável. Algumas zonas de Cacine não têm água de qualidade. As pessoas são obrigadas a deslocarem-se quilómetros e quilómetros para conseguirem água de qualidade para consumo “, lamentou, criticando que, apesar vários gritos de socorro para construção de fontenários, os governos regional e central não se dignaram a reagir.   

“Apenas as ONG´s que operam em Cacine e arredores apoiam os populares de algumas tabancas a colmatar a falta da água potável”, indicou.

Denunciou que existem ” conflitos”   e “guerras” de competência entre a Polícia da Ordem Pública e a Guarda Nacional em alguns postos de controlo.

“Há conflitos entre forças da Ordem Pública a e Guarda nacional no que diz respeito ao papel que cada força deve desempenhar junto da população e  a maioria daqueles agentes não são efetivos, são  auxiliares e muitas situações de insegurança  que acontecem na comunidade são resolvidas pelas associações juvenis, sobretudo na sensibilização da comunidade sobre doenças e meios adequados para se prevenir e lidar com os surtos, bem como os meios legais para dirimir conflitos nas comunidades”, anotou.


Por: Filomeno Sambú/Aguinaldo Ampa

Author: O DEMOCRATA

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