Líder do PAIGC: “GUINÉ-BISSAU ESTÁ MAIS DO QUE DEITADA, MORIBUNDA. É PRECISO ESTANCAR A HEMORRAGIA”

[Campanha eleitoral_ENTREVISTA] O líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e cabeça de lista da Coligação Plataforma de Aliança Inclusiva – Terra Ranka (PAI-Terra Ranka) ao cargo de primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, afirmou que a Guiné-Bissau está mais do que deitada, moribunda e que é preciso estancar a hemorragia. Defendeu que é urgente encontrar fios condutores, criar uma lógica de funcionamento institucional e lançar as bases para o processo de desenvolvimento.  

O político fez essas afirmações na entrevista exclusiva ao Jornal O Democrata para falar do programa eleitoral da coligação liderada pelo seu partido, bem como dos setores definidos como prioritários para impulsionar o desenvolvimento do país e da visão da coligação em relação à questão da moeda única (ECO), que se perspectiva para os países da sub-região, da Zona do Comércio Livre Continental Africano e da ameaça do fenómeno do terrorismo que abala a sub-região. 

Domingos Simões Pereira criticou a elevada dívida do país, admitindo que ultrapassa os 80 por cento do nosso Produto Interno Bruto. Acrescentou, neste particular, que “o grande problema do nosso país em relação à dívida, não é o facto de nos endividamos, qualquer país contrai dívidas”. 

“O problema é que endividamo-nos estupidamente e o que isso quer dizer? Endividamo-nos apenas para consumir, isso não existe. Você não pode contrair uma dívida para consumir, mas sim para investir”.  

O Democrata (OD): A Guiné-Bissau carece de quase tudo. Razão pela qual tudo é considerado prioridade. Fala-nos de forma sintética do programa eleitoral da coligação PAI — Terra Ranka às legislativas, sobretudo das áreas prioritárias que merecerão uma atenção especial?

Domingos Simões Pereira (DSP):  Mais do que responder à questão de cabeça de listas, é preciso dizer que o chefe de fila da coligação é o PAIGC. Mesmo a nível dos cinco partidos há um reconhecimento de que o PAIGC representa legalmente a coligação. 

Quanto aos dezoito partidos, eles aderiram a um espaço que já existia. A coligação, de acordo com a Constituição da República guineense, é um dispositivo pré-eleitoral. A partir do momento em que submetemos a nossa a candidatura como uma plataforma, é essa a designação oficial. Os outros vêm apoiar aquilo que já existia.

OD:  Ou seja, o presidente do PAIGC é cabeça de lista. 

DSP: Sim, sim! 

OD: Regista-se neste momento um aumento do preço dos produtos da primeira necessidade no mercado associado a campanha de comercialização da castanha de cajú que está aquém das expetativas. Que estratégias vai adotar a curto prazo para contrariar essa realidade se vencer o escrutínio de 04 de junho?

DSP: O país pode carecer de tudo, mas encontrar um fio orientador e um caminho de desenvolvimento é preciso estabelecer uma estratégia. A situação do país, hoje, em 2023, é comparável, de alguma forma,àquilo que já tínhamos em 2014. 

Foi necessário, primeiro, estabilizar o país, resolver as questões mais prementes, criar uma base institucional estável. A partir dessa base projetar o desenvolvimento. Nessa altura eu já dizia que não se podia pedir a alguém   que começasse a correr, sem que ela estivesse de pé. Quem está deitado precisa levantar-se em primeiro lugar. Depois de se pôr em pé e começar a andar, eventualmente poderá começar a correr. 

Hoje o país está mais do que deitado, moribundo, e é preciso estancar a hemorragia que está a acontecer no país, encontrar fios condutores, criar uma lógica de funcionamento institucional e a partir daí lançarmos as bases para o processo de desenvolvimento. 

Apresentamos, sim, um programa eleitoral baseado no nosso plano estratégico TERRA RANKA. Insisto em dizer que tal como em 2014, com a eleição da plataforma TERRA RANKA, será necessário fazer de novo aquilo que fizemos em 2014.

Criar um programa de urgência para inverter os indicadores, criar um programa de contingência para depois chegarmos ao programa de desenvolvimento. O programa de desenvolvimento tem seis eixos, dos quais colocamos um assento particularmente em dois como prioritários: a mulher no centro de pensamento estratégico e promover os jovens. 

OD: Neste momento, há um aumento de preços dos produtos de primeira necessidade no mercado, uma preocupação associada à queda que se regista na campanha de comercialização da castanha de cajú e o desfecho está aquém das expetativas. Que estratégias vai adotar, a curto prazo, para contrariar essa realidade, se vencer o escrutínio de 04 de junho?

DSP: Colocou-me duas questões importantes, que são dois elementos fundamentais de qualquer análise económica. Mas vou começar aresponder, dizendo que vamos fazer aquilo que fizemos em 2014. Também em 2014 tínhamos essas duas situações. De um lado, ainflação, aumento de preços dos produtos de primeira necessidade, e por outro uma grande deflação em relação ao produto principal da nossa economia que é a castanha de cajú. Infelizmente o Estado está moribundo e não está a cumprir a sua missão. O Estado tem como uma das principais vocações regular todo um relacionamento entre as várias entidades. 

Temos um Estado que não fica pela regulação, mas quer intervir com interesses diretos associados aos produtos. O partido com maior influência é o MADEM-G 15. O coordenador do MADEM-15 tem como principal atividade o cajú, tem um conflito de  interesses   com a função de ser chefe do Governo. 

Enquanto comerciante, está e estará sempre interessado que o preço da castanha de cajú seja baixo para poder ganhar. Que comerciante é que não quer ter lucros. O povo guineense é que tem que compreender que não pode eleger para um cargo desta natureza alguém que tem uma atividade económica contraditória a função de chefe de governo. Em 2014, deparamo-nos com essa situação. Taxas de todo o tipo, impostos. 

O FUNPI, por exemplo, é uma das situações. Temos ainda vários impostos acoplados à comercialização da castanha, o que cria incertezas e ao criar incertezas torna o nosso produto menos competitivo no mercado internacional. 

São essas taxas que têm que ser eliminadas. As pessoas encontram rótulos e embrulhos muito bonitos, mas para coisas que são absolutamente inaceitáveis. Também na altura me tinham apresentado um documento de parcerias público privadas, mas ao ler esse documento, percebe-se que é um documento através do qual o governo de então outorgava à Câmara de Comércio o direito de cobrar impostos, isso não pode ser, não existe.  

Nenhuma entidade pode cobrar impostos, que não seja o Estado e quando o Estado cobra impostos tem que estar diretamente refletido no Orçamento Geral do Estado, isso é a componente cajú.  

A resposta é: será que o governo terá a capacidade de resolver o problema, hoje tal como resolvemos em 2014. Nós tínhamos noção das taxas que tinham que ser subtraídas para que a castanha fosse competitiva. Em relação aos preços dos produtos de primeira necessidade, temos um problema de conhecimento e de vontade. Em todos os países do mundo há aquilo que se chama Cabaz. 

O Estado quando fixa o salário mínimo e diz, por exemplo, que o salário mínimo é trinta, a primeira pergunta que o Estado deve fazer a si próprio é: que despesas tem o trabalhador normal? Se compra arroz, paga a escola dos filhos, o arrendamento de uma casa, luz e água como bens essenciais. Há duas coisas que o Estado não pode permitir: o valor de um saco de arroz não pode ser inflacionado ao ponto de pôr em causa o salário do trabalhador.

É o que está a acontecer. O país não pode ter um aumento de preços de produtos de primeira necessidade quando o salário se mantém igual. A capacidade de compra do trabalhador está a ser posta em causa. Das duas uma. Ou indexar os preços dos produtos de primeira necessidade a um determinado coeficiente ou atualizar os salários dos trabalhadores. 

A falta de arroz no mercado português é uma coisa, mas na sociedade guineense significa completamente outra. Qual é a família guineense que passa uma semana sem consumir o arroz?. Como é que se pode permitir que o salário mínimo seja de trinta e pouco mil francos CFA e o arroz que, numa mesma legislatura, começou em 18 mil francos CFA e já vai em 23 mil francos CFA? Isso revela uma absoluta falta de conhecimento e de responsabilidade.

OD: A Agricultura é considerada como a base económica do país. Há várias décadas nenhum governo conseguiu apresentar uma solução e progressos neste setor. Que mecanismos o seu governo vai apresentar aos guineenses para revolucionar este setor à semelhança do Senegal, onde se fizeram grandes investimentos e hoje se produz milhões de toneladas de arroz, mancara, feijão e milho?

DSP: A afirmação de que nenhum governo conseguiu dar resposta é sua, não minha. Não subscrevo isso. Podemos não ter encontrado os resultados que preconizamos. Em 2014 tínhamos investimentos nesse setor. 

Em julho de 2015 realizamos uma reunião de conselho de ministro em Bafatá para tratar especificamente do programa de desenvolvimento da região de Bafatá. Na mesma reunião, anunciamos uma parceria com o governo do Brasil   para o estudo dos solos da Guiné-Bissau, um estudo que Amílcar Cabral fez em 1952. Num território de 36 mil quilómetros quadrados, não se pode dar ao luxo de perder solos de qualidade. 

Hoje o cajú é colocado em qualquer parte do território e já perdemos mais de 60 por cento das zonas de produção de arroz, por não ter havido a proteção da subida das águas do mar. São erros sistemáticos que se tem cometido.

Nós, para além de aprovar o programa para Bafatá, estabelecer parcerias com a Embrapa e o FAO para o desenvolvimento agrário, fizemos uma exposição em Bafatá a mostramos que tínhamos mais de quinhentos tratores preparados para a mecanização agrária. 

Assim que o governo do PAIGC foi demitido, estes tratores foram utilizados pelo Presidente José Mário Vaz no seu projeto “Mon na Lama” e distribuiu outros aos seus amigos. O projeto “Mon na Lama” pegou na verba que o governo foi buscar à UEMOA para financiar sementes de curto ciclo e gastou-o à sua maneira.       

DO: O setor da Educação tem andado paralisado e há vozes críticas que defendem a reforma do sistema. Partilha a mesma ideia?

DSP:  Este Estado não existe. A educação, agricultura… têm problemas. Pergunto o que é que não tem problemas? As pessoas estão a governar ainda naquele princípio que se diz de navegação à vista. 

Podemos sair de Bissau para a ilha de Como, ter um mapa, um GPS, uma bússola e saber orientarmo-nos para chegarmos à ilha de Como, isto é uma opção. Temos um programa e ideias, ou seja, entramos no barco, mas não sabemos se chegaremos ou não à ilha de Como. Este governo apresentou na altura um programa, não. 

O primeiro-ministro apenas tinha sido indicado, do resto ficou com um deputado, mas continua a ser primeiro-ministro. Este governo tinha visão estratégica, não. Não tinha nenhum compromisso. Como é que se pode resolver esses problemas? Dentro do PAIGC a visão é diferente. Domingos Simões Pereira nunca foi eleito. 

A moção estratégica apresentada por Domingos mereceu um sufrágio maioritário dos delegados ao congresso. A partir do momento em que essa moção foi aprovada passou a ser uma propriedade do partido e foi transformada em programa eleitoral e, consequentemente, de governação. Há uma sequência e havendo uma sequência, há uma lógica.

Tenho quase que a certeza que se falar com a ministra da Educação, peço desculpas não a conheço e posso estar aqui a cometer uma injustiça, mas tenho quase a certeza que a maior parte dos ministros que passam pela educação não sabem que existe um programa de reforma educativa na Guiné-Bissau. 

Já falei com um ministro do equipamento social que não sabe que existe uma carta de política nacional para o setor das obras públicas, não sabe! Não é culpado, porque foi colocado naquela posição por uma questão de conveniência política. Por isso, para ele, construir uma estrada de três quilômetros em Bissau Velho é mais importante do que reabilitar Safim-Nhacra-Jugudul.             

OD: Que mecanismos usarão para negociar com os sindicatos do setor da Educação, responder às suas reivindicações e relançar o setor para atingir o nível da sub-região?

DSP: Os sindicatos são parceiros.  Não é por acaso que entre julho de 2014 a agosto de 2015 não houve nenhuma greve. Quem olha de fora pensa que eles tiveram sorte. Não, não foi sorte. Escolhemos o diálogo, porque quando não há problemas, aí é que as pessoas dialogam. Depois de todo um trabalho feito, conseguimos estar a pagar cento e cinquenta mil francos CFA como subsídio de instalação dos professores. 

Fizemo-lo porque estava no decreto lei e tinha que ser pago. E nos meses subsequentes, pagamos todas as responsabilidades sociais que tínhamos com os trabalhadores. Estávamos a trabalhar no sentido de levar os sindicatos a entenderem-se com a classe empresarial. 

Há um erro neste momento nas nossas estruturas…tu não podes negociar com os sindicatos, separadamente, e depois negociar com os empresários, por isso todos os países têm o que se chama conselho económico social. Quando discuti com os empresários, não queriam a presença dos sindicatos, vice-versa. 

É normal que haja choque de interesses, mas eu enquanto chefe de governo, tinha a necessidade de ter os dois juntos, porque os sindicatos reivindicam os direitos e quando o Estado tem de pagar direitos, cobra a alguém, do setor privado. 

Os dois têm que estar presentes nesse conselho. Quero responder à sua questão, dizendo que tanto os sindicatos como o patronato irão encontrar, no próximo interlocutor, quem os vai tratar como parceiros, porque vai fazer parte da procura de soluções, o que não acontece neste momento com este governo porque não há ideias.    

OD: Concorda quando se diz na praça pública, que há evolução no setor de saúde? 

DSP: Evolução?! Você considera que há evolução no setor de saúde? Estamos a falar de um setor onde o bloco operatório deixou de fazer operações há mais de um ano. Sabe que tipo de evolução aconteceu? Pintaram edifícios que as pessoas acham que lhes dá o direito de vangloriarem-se. Pintaram edifícios e contrataram uma senhora para lhe oferecer dinheiro a pretexto de que está a oferecer comida aos doentes. 

É isso que se chama evolução no setor. Estou a falar com senhor hoje, segunda-feira, mas há 24 horas perdi um amigo muito íntimo, porque temos um sistema de saúde que, perante uma falha dos rins, não existe nenhum sistema de apoio. Por incrível que pareça, em 2015, estávamos há meses de instalar 14 aparelhos de hemodiálise. 

De que sistema de saúde estamos a falar? Os guineenses estão a celebrar que temos um sistema de saúde, quando para realizar um TAC temos que ir a Ziguinchor, não, devemos estar a brincar. Passo praticamente a vida a receber compatriotas meus, amigos e camaradas, que trazem preocupações de saúde. 

Devem ter reparado, no nosso cortejo da campanha eleitoral, temos sempre uma ambulância, onde tem um médico e uma enfermeira. As pessoas podem pensar que é para a nossa segurança se acontecer algum acidente, não. Porque sabemos que as localidades por onde passamos encontramos muitas situações de emergência e não podemos continuar a dizer vamos tentar resolver, resolvemos no momento. 

OD: O que é que a Coligação PAI – Terra Ranka vai mudar no setor de saúde, se for o governo?

DSP: Uma das principais reformas que é preciso fazer em relação ao funcionamento do aparelho do Estado é a repartição do Orçamento Geral do Estado. Aquilo que me choca devia chocar-lhe a si e devia chocar a todos. Não choca, porque simplesmente a grande maioria da população não tem informação.

Eu insisto em falar disso. Eu estudei o orçamento geral do Estado dos países da União Europeia, da África, dos países da CEDEAO e da Guiné-Bissau. Na União Europeia ou nos Estados Unidos, nenhum governo gasta mais de dois por cento do orçamento geral do Estado com despesas não produtivas. Nenhum governo paga viagens do presidente e mordomias com um orçamento superior a dois por cento, quando esses países fazem grandes gastos é porque o orçamento permite -lhes isso. 

Só para compreenderem melhor um orçamento: vamos imaginar que o orçamento é 100 dólares. Temos uma área de soberania que incluí o Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o primeiro-ministro e o seu gabinete. Segundo, temos a área produtiva (agricultura, energia, pescas, turismo…), depois vem a área social (educação, saúde e solidariedade) e finalmente as compensações que são os negócios estrangeiros, entre outros. Se tiver quatro componentes e tem cem dólares, como vai fazer?

Os países que estão a progredir dizem que as despesas das representações não podem ultrapassar dois por cento, tem que ser magras. A despesa com o investimento na área produtiva tem que ser importante e a despesa na área social tem que ser ainda mais importante. 

Na Guiné-Bissau, onde os outros países estão a gastar dois por cento, nós gastamos 35 por cento. Isso quer dizer que para cada 100 dólares gastamos 35 dólares para o presidente da República viajar, para o presidente da assembleia ter um bom gabinete e estar confortável, e poder receber gente e fazer festas. Isto não é sério. É preciso alterarmos este quadro, mas não é alterar o quadro por via do populismo. É alterar o quadro para que todo o cidadão guineense se sinta parte do processo, e isso deve envolver todos.  

Há dois anos publiquei um artigo onde eu falava da discussão do orçamento geral do Estado em Portugal. Eu cheguei à minha universidade e o orçamento geral do Estado estava a ser discutido na universidade, porque é que o orçamento geral do Estado é discutido na Guiné-Bissau só na Assembleia Nacional Popular. Porquê é que não promovem seminários para os jornalistas sobre o orçamento geral, porque é que não é discutido nas universidades?

Para responder a sua questão, é preciso investir na saúde para melhorar o setor. Nós não estamos a investir na saúde, temos tudo invertido.

OD: As infraestruturas rodoviárias são quase inexistentes, aliás, o candidato provou isso nestas andanças da campanha eleitoral. Que medidas ou iniciativas levarão a cabo para melhorar as estradas?

DSP: O nosso plano estratégico terra ranka tem um plano nacional de infraestruturas. Eu posso dizer-lhe a extensão da nossa rede rodoviária onde é preciso intervir, posso dizer-lhe ainda da localização dos quatro terminais de transporte que precisamos construir. 

Nós falamos do caminho de ferro, porque sabemos que é necessário que haja um caminho de ferro na Guiné-Bissau, ao contrário daqueles que gozam, mas que nem têm a ideia daquilo que estamos a falar. Não! Nós temos um plano pré-estabelecido e é com este plano que pensamos que o país vai poder desenvolver-se. 

A nível das estradas, vou dar um exemplo para compreender a gravidade da situação em que estamos. Assinamos os acordos a nível da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, quem adere à CEDEAO e assina a convenção diz que todas as cargas da CEDEAO têm o direito de transitar pela Guiné-Bissau. Até aqui parece que está tudo bem, não está. Porque o camião pesado é calculado por eixo. 

O camião tem uma fila de rodas e tem outra fila de rodas. Quem não é um técnico pode pensar que o número de filas de rodas não tem qualquer incidência, mas tem, porque é através das rodas que o camião transporta o peso pela estrada. Quando pensamos no camião, devemos assegurar que o peso por eixo, no caso da Guiné-Bissau, não ultrapassa as onze toneladas, porque a estrada foi construída a contar com um peso de onze toneladas. 

Por exemplo, no Senegal, a estrada é construída a contar com 14 toneladas. Isso significa que permitimos transitar nas nossas estradas camiões de 14 toneladas. O que é que vai acontecer? Não… está claro o que vai acontecer…

Entretanto, nós pensamos que está tudo bem, mas não está. Das duas uma, ou exigimos à CEDEAO que faça um investimento na Guiné-Bissau para que as estradas tenham um gabarito de 14 toneladas ou temos que dizer que transitoriamente não podem circular nas nossas estradas camiões com cargas por eixo superior a onze toneladas. Perguntem ao governo se sabe isso ou a outros líderes dos partidos, pergunte se sabem isso…

OD: A dívida pública da Guiné-Bissau representa 80% do PIB,segundo um relatório recente do Banco Mundial. O que terá levado o país a insustentabilidade financeira e quais os mecanismos para libertarmo-nos do fardo da dívida?

DSP: Primeiro, eu não estou muito seguro que seja 80 por cento. Eu acredito que seja mais do que 80 por cento, mas é importante vocês enquanto jornalistas investigarem a evolução. Muita gente vai dizer que o PAIGC governou o país durante mais de 40 anos. Até ao fim do partido único, toda a dívida externa da Guiné-Bissau não ultrapassava os 40 por cento do nosso Produto Interno Bruto BIP. Agora com o multipartidarismo ou de 1994 a 2000, nós chegamos a 60 por cento da dívida. E este novo quadro de dívida é recente, nos últimos seis e sete anos, portanto há aqui um problema grave. 

Se quiser realmente verificar, a partir da pandemia do coronavírus, o governo do PAIGC que esteve no poder até às eleições, estava muito preocupado em honrar os compromissos da dívida, portanto fez economias para saldar essas dívidas. Mas foi demitido, entrou este governo e logo a seguir houve a Covid-19, devido ao surgimento da pandemia da Covid-19, a UEMOA e a CEDEAO decretaram uma moratória em que os países não deviam pagar as dívidas e o nosso governo começou a celebrar, porque pensou que nunca mais pagaria as dívidas.

Não foi assim o que eles disseram. Queriam transmitir que os países não precisavam pagar as dívidas, por aquele período, porque estávamos a passar por um período de crise. Era preferível na altura… se eu estivesse no governo, era o que teria feito. Pagava o dinheiro e voltava a pedir o empréstimo, portanto isto é outra condição. Mas não pagar, é aumentar o período de incidência da taxa dos juros sobre a dívida. 

O grande problema que o nosso país tem em relação a dívida vou lhe dizer, não é o facto de nos endividamos, qualquer país endivida-se. O problema é que nós endividamo-nos estupidamente e o que isso quer dizer? Nós endividamos para consumir, isso não existe. Você não pode contrair a dívida para consumir, mas sim pedir a dívida para investir.  

Muita gente ainda se lembra… nós fomos à mesa redonda e conseguimos 1,5 mil milhões de dólares norte-americanos. É só disso que as pessoas falam e não se lembram de outros aspectos que tratamos a nível da mesa redonda que são muito importantes. Nós apresentamos um programa estratégico que os parceiros compreenderam, o nosso ministro das Finanças na altura defendeu que o cálculo do nosso Produto Interno Bruto estava errado. Nós temos a intenção de voltar ao governo para discutir isso com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. 

Temos que rever o quadro do nosso PIB, porque fixar o nosso Produto Interno Bruto em um bilião não faz sentido. Isso aconteceu aquando da adesão do país à UEMOA, portanto o cálculo da nossa moeda esteve errado, é preciso corrigi-lo. 

OD: A justiça é percebida pelos cidadãos nacionais como ausente. Qual será a estratégia para edificar um aparelho judicial eficiente e igualitário no país?

DSP: É preciso que haja justiça, nós não temos justiça! Penso que os nossos profissionais ligados à justiça têm que compreender que quando uma sociedade falha, o ponto de partida é a justiça. Eles estão permanentemente convidados a reconhecer que o povo guineense olha para eles com esperança. 

O trabalho que temos vindo a fazer a nível do partido e de várias outras organizações é importante.  Poderíamos ter escolhido também o caminho mais fácil. Eu costumo dizer às pessoas que em 2015, se tivesse escolhido ficar no poder, ficaria, mas às vezes é preciso também ter honra e dignidade. 

OD: A Coligação PAI – Terra Ranka admite que há interferência política na justiça guineense?m

DSP: Não sou eu que admite isso. Isto é mais que notório e como repara, estamos em vésperas de eleições legislativas, não quero discutir questões que convidam a um debate. Neste momento, eu devo estar a discutir com os outros líderes dos partidos políticos, por isso estou a evitar tratar determinados assuntos porque entrando por aí, eu estaria a convidar os outros atores também a darem os seus pontos de vista. 

OD: O setor dos Transportes e Telecomunicações constitui um grande desafio para o país. Fala-nos da estratégia definida no programa eleitoral para relançar esses setores, sobretudo astelecomunicações que é quase inexistente?

DSP: Nós temos planos para todos os setores. Nós conhecemos a carta política para todos os setores. Eu conheço a carta de reforma agrária, a carta de política do setor das infraestruturas, aliás, eu participei na elaboração da carta de política do setor das infraestruturas. 

Eu conheço o programa de reforma do setor educativo, eu conheço as cartas de políticas dos setores e o problema é que o cidadão guineense precisa saber que quem não conhece as cartas de políticas dos diferentes setores não pode governar nem deve fazer a navegação à vista, não é possível.

OD: O maior debate hoje a nível do continente africano é a independência económica e parece que a Guiné-Bissau está de lado e o assunto não é discutido nesta campanha. Qual é a opinião da coligação sobre a moeda Eco que se perspectiva para a sub-região, sobre a qual a Guiné-Bissau partilha a mesma posição dos oitos países da UEMOA…

DSP: Vou dar uma opinião absolutamente pessoal. Este é um assunto que não foi discutido nos fóruns dos partidos da coligação, portanto aquilo que eu disser não engaja o partido. Eu achei que desde logo o nome foi infeliz, o que é ECO, não lhe lembra Europa? 

Podíamos encontrar uma outra designação mais próxima da nossa realidade, contudo vejo a discussão sobre uma nova moeda para a África como uma oportunidade para nós todos, incluindo uma oportunidade para a Guiné-Bissau. Muitos erros que cometemos ao aderir a Franco CFA podem ser corrigidos com esta adesão à moeda ECO. Infelizmente, já há sinais perturbadores. Há sinais  de que é pouco provável  que a Nigéria adira a essa moeda, então se as grandes economias não vão aderir? 

Ainda há sinais de que continuaremos a estar mais vinculados ao banco francês e se for isso, então pergunto para quê sair do Franco CFA para entrar no ECO só para trocar de nomes, não faz sentido. Eu tenho a esperança de que o concerto dos países africanos a nível da União Europeia através da agenda África 2063 possa produzir algum consenso que permita, de facto, que se equacione a possibilidade de ter uma moeda única para a África, se for caso e se as grandes economias, como a África do Sul, Nigéria, Angola e Egipto entrarem. Será uma grande oportunidade para o resto dos países. 

Há decisões que realmente são difíceis de compreender. Como é que a África, com colossos económicos, quer continuar a depender da cunhagem de uma potência como a França!? Eu não entendo isso…

OD: Relativamente à Zona Comercial Continental Livre Africano, que mecanismo vai apresentar para que a Guiné-Bissau não se torne uma vítima engolida gigantes, mas sim tirar proveitos capazes de alavancar a economia nacional por meio desta iniciativa continental…

DSP: O modelo de integração africano é inspirado no modelo de integração Europeu. Quem desenvolveu o modelo de integração Europeu foi o Trumah, por isso é chamado modelo Trumah. Estabeleceu estas etapas para se chegar a plena integração e a primeira medida é aquilo que se chama união aduaneira. 

O que é a união aduaneira? A Guiné-Bissau faz fronteira com o Senegal, portanto nós devemos negociar até ao ponto de estabelecermos um único código para todos os produtos. Acha que isso já está estabelecido… eu estou só a dar um exemplo entre os nossos dois países. 

Porque é que a castanha de cajú da Guiné está a escoar a partir do Senegal, porque a castanha não é um produto estratégico do Senegal e como não é o seu produto, reduziu a taxa do imposto sobre a castanha. Quando a taxa sobre o cajú é quase zero no Senegal, mas é importante na Guiné, o que pensa que vai acontecer? O mercado senegalês vai atrair toda a castanha da Guiné. E é isso que está acontecer e nós fingimos que não estamos a ver o que está a acontecer.

Como é que o governo guineense finge que não está a ver que a castanha vai para o Senegal. A castanha vai para o Senegal, o óleo de palma vai para a Gâmbia, pescado, cabaceira, fole entre outros produtos vão para Cabo Verde e nós estamos a bater palmas. 

É muito cedo falar da zona do livre comércio, é preciso consolidar a nossa integração regional, mas a integração regional se consegue-se através de estudos dos nossos fatores de crescimento. Nós estabelecemos cinco fatores do crescimento. 

Os cinco produtos estratégicos que nós estabelecemos, são: castanha, pesca, turismo, agricultura, cereais e minas. Nas minas temos, fosfato, bauxite e as areias  pesadas. 

OD: O terrorismo continua a ser uma ameaça eminente a sub-regiãoQue mecanismos devem ser usados para lutar contra este fenômeno? 

DSP: É muito simples. É aderir às convenções internacionais e subscrever os princípios que juntam todos os países que combatem estas práticas. Criminalizar determinados atos e permitir, por via da cooperação internacional, que o nosso país seja reconhecido como um país de boas práticas em relação a estas práticas. 

Quando nós continuamos a multiplicar voos não comerciais de aviões que descem no nosso aeroporto e saem sem passarem pelo controlo, acha que o mundo vai a dizer que nós somos mais transparentes?O problema não é inventar a roda, é tornar mais transparente os nossos procedimentos, infelizmente não é o caso.  

Por: Filomeno Sambú

Author: O DEMOCRATA

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