Opinião: VISITA DO PRESIDENTE SENEGALÊS À GUINÉ-BISSAU COMO RESPOSTA SIMBÓLICA À ASSINATURA EXTERNA DO ACORDO ENTRE O PAI TERRA RANKA E O API CABAZ GARANDI?

Há mais de uma década, a política guineense tem percorrendo um período de crise, tensão e reconfiguração. Nos últimos anos, a história política do país foi marcada por períodos de assinaturas de acordos fora do território nacional, sobretudo este último entre duas coligações políticas Pai Terra Ranka e o API Cabaz Garandi. A assinatura de acordo entre as partes trouxe à tona não só disputas internas, mas também levanta indagações sobre a autenticidade, a dependência externa e a falta de clareza nos processos políticos do país, inclusive provocou fortes reações internas. Contudo, o que mais gerou debate a respeito do assunto é o local de assinatura do acordo e a visita do presidente senegalês ao país.

A escolha do assunto tem a ver com a recente visita do presidente Bassirou Diomaye Faye à Guiné-Bissau, que aconteceu semanas após a assinatura desse acordo, o que levanta importantes reflexões sobre os significados simbólicos e geopolíticos das ações diplomáticas na África Ocidental. Longe de ser apenas um gesto protocolar, essa viagem à Bissau ganha relevância particular, sobretudo quando analisada à luz da assinatura externa do acordo entre as duas coligações políticas do país. Embora ambos movimentos pertençam à Guiné-Bissau, o fato de o acordo ter sido assinado na França levanta questionamentos sobre o papel da França na região e as possíveis interpretações de outros países que revoltaram contra a França nesses últimos anos.

Neste sentido, de modo geral, este artigo de opinião visa fazer análises em torno do local de assinatura desse acordo e a recente visita do presidente senegalês à Guiné-Bissau. Com isso em mente, as minhas análises serão feitas no sentido de responder às seguintes questões: por que um acordo que trata de assuntos puramente nacional foi formalizado fora da Guiné-Bissau? E por que, especificamente, na França? Será que a visita do presidente senegalês foi só uma gentileza diplomática ou teria sido, na verdade, uma resposta silenciosa ao acordo assinado fora do país?

Essas perguntas até podem parecer simples, mas na verdade estão carregadas de grandes simbolismos que podem ajudar-nos a interpretar a essa escolha do local de assinatura desse acordo e consequentemente a visita do presidente senegalês semanas depois. Ao analisar a primeira pergunta sobre a escolha do local de assinatura de acordo, entendo que, deve ser levado em consideração as seguintes questões: primeira, e a mais óbvia de tudo, tem a ver a desconfiança em relação às instituições nacionais, devido às dificuldades e a extrema vigilância do atual regime vigente no país contra seus opositores o que pode obrigar nessa assinatura fora do país. A segunda opção, a escolha do local, pode ser interpretada como uma busca de dar mais visibilidade aos problemas internos e ao momento pelo qual o país se atravessa, além disso, também pode ser interpretada como a busca de apoio político e financeiro internacionalmente. Convém ressaltar que, na base dessa resposta, até certo ponto faz todo sentido a escolha de um país estrangeiro para realizar o acordo, mas também é ótimo destacar que, quando uma agenda nacional precisa ser selada em território estrangeiro, isso levanta série de dúvidas sobre os rumos do país.

Sob esse prisma, a escolha da França em vez de outros países, sobretudo da região também pode ser entendido como algo não neutro. Historicamente, é amplamente aceite que a França ainda carrega uma forte influência no cenário político da África Ocidental, seja com as suas antigas coloniais, assim como com várias elites locais. Nesse caso, levando isso em consideração a escolha pode representar uma busca por legitimidade externa, uma tentativa de mostrar que o acordo tem respaldo ou, talvez, a busca de proteção internacional. Ademais, a escolha da França em vez de outros países da região representa a influência francesa na região e inibe a relativa percepção de dependência tanto simbólica quanto diplomática de muitos países africanos em relação as potenciais colônias, que ainda são vistos por muitos líderes africanos como salvação das suas pátrias.

No que tange à terceira questão, a primeira observação que pode ser feita é no sentido diplomático. Ou seja, em outras palavras há um número grande de cidadãs (eleitores) senegaleses na Guiné-Bissau com seus negócios e trabalhos e que de uma forma ou outra recorrem a sua embaixada para tratar das suas necessidades, neste sentido, a visita de presidente senegalês pode ser interpretada como uma forma de ter um contato direto com seus povos nesse país, saber das suas demandas e dificuldades, sem contar que essa viagem representa uma forma de fortalecimento de laços históricos entre os dois países vizinhos.

De mesmo modo, essa viagem à Bissau também pode ser vista como um ato além do diplomático, pois sob outras lentes pode ser vista como uma resposta indireta à assinatura desse acordo na França. Além disso, esse gesto pode ser interpretado como uma iniciativa para lembrar que, antes de buscar qualquer país europeu, os países vizinhos são primeiros, pois são eles que de alguma forma ou outro vão sofrer com os possíveis efeitos, tanto positivos quantos negativos das decisões políticas guineenses. Por fim, resumidamente é possível interpretar essa viagem como algo que está tentado dizer alguma coisa, mas sem palavras, que as soluções para crises da Guiné-Bissau devem ser encontradas pelos próprios guineenses e na região. Sem contar que esse acordo pode dar errado como aconteceu com o acordo de Conacri.

Falando nesse assunto, a recente visita do presidente do Senegal à Guiné-Bissau chamou a atenção não só pela cortesia diplomática, porém pelo o que pode estar por trás desse gesto. Em um momento marcado pela assinatura de um acordo entre o movimento Pai Terra Ranka e o API Cabaz Garandi e o fato de isso ter acontecido fora do país, a presença do líder senegalês parece ter um peso simbólico ainda maior. Mais do que uma simples visita oficial, essa aproximação pode sinalizar apoio, preocupação ou até mesmo um recado discreto sobre os caminhos que a política guineense está a tomar. Olhando com mais atenção, percebe-se que esse episódio se insere num cenário mais complexo, onde relações históricas, interesses cruzados e disputas por influência moldam os gestos e as palavras dos chefes de Estado na África Ocidental.

Neste contexto, a visita do presidente senegalês ganha contornos estratégicos. Senegal e Guiné-Bissau compartilham mais do que fronteiras: há uma história entrelaçada por interesses econômicos, laços culturais e disputas antigas. O gesto de estar fisicamente presente em Bissau, num momento delicado, pode ser interpretado como uma tentativa de se posicionar, ainda que de forma sutil, em relação ao novo arranjo político em formação. Para o Senegal, manter alguma estabilidade na Guiné-Bissau é crucial, seja por questões de segurança, cooperação regional ou mesmo para garantir que sua influência política continue a ser sentida dentro da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

Mais do que discursos ou comunicados, a diplomacia africana muitas vezes se expressa em gestos silenciosos, mas carregados de significado. A visita do líder senegalês pode ser vista como uma resposta simbólica à assinatura externa do acordo político: um lembrete de que a Guiné-Bissau não está isolada e que seus vizinhos acompanham atentamente cada movimento. É, também, um recado aos demais atores envolvidos, tanto internos quanto externos, de que qualquer tentativa de mudança profunda no equilíbrio político do país não passará despercebida.

Neste contexto, a visita do presidente senegalês, Bassirou Diomaye Faye, à Guiné-Bissau pode ser interpretada como um gesto de afirmação política: a diplomacia e os acordos africanos devem ser discutidos e firmados dentro da própria África. O ato representa uma crítica simbólica à persistência da mediação europeia e uma defesa clara da autodeterminação continental.

Outra visita que merece muito a nossa atenção é a visita do presidente guineense à Rússia. Diga-se de passagem, que o convite do presidente russo Vladimir Putin ao presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, pode parecer apenas mais uma visita diplomática. Contudo, quando olhamos com mais atenção para o que está acontecendo dentro da África Ocidental e o cenário político interno guineense, esse gesto ganha um significado bem mais profundo.

Não é segredo para ninguém que a Guiné-Bissau vive, há anos, numa situação de instabilidade política. As referidas instabilidades são abaladas por muitas disputas entre poderes, tentativas de golpe, crises internas e uma influência militar. Nesse cenário, ao analisar o convite de Putin ao presidente Embaló é possível analisá-lo como uma forma de mostrar que tem aliados importantes dentro e fora da África, no sentido de aumentar ainda mais a sua força política dentro do país.

Por lado russo o convite a Guiné-Bissau representa não apenas o reforço do laço histórico e diplomático entre os dois países, pois se vejamos o que aconteceu nos últimos cinco (5) anos nessa região onde a Guiné-Bissau situa geograficamente é praticamente visível que a Rússia tem estado aumentando a sua presença em vários países desta região, sobretudo após início da guerra com Ucrânia, onde a sua presença passou a ser mais notada principalmente no que tange a questão de segurança por meio de grupo Wagner que desempenha um papel importante nos países africanos.

Falando nesta questão, é visível que muitos países da África Ocidental passaram por golpes de Estado e romperam laços com antigos aliados ocidentais, buscando novos parceiros, como aconteceu no Mali, Burkina Faso, Guiné-Conacri e Níger. Neste sentido, o convite do presidente Putin ao presidente Embaló pode ser entendido como uma forma de mostrar que a Rússia está de olho também nos países que ainda não se afastaram totalmente do Ocidente e respeita a soberania dos países. Nesse contexto, a Guiné-Bissau pode ser entendida como uma peça de xadrez importante e extremamente valiosa tanto para o Ocidente quanto para a Rússia, uma vez que está cercada de vizinhos que estão tomando outros rumos. A aproximação da Guiné-Bissau com a Rússia pode ser analisada como uma fraqueza das potências ocidentais e alternância de influência na região.

Portanto, analisando o acordo assinado entre Pai Terra Ranka e API Cabaz Garandi, com a recente viagem de presidente senegalês ao país cheguei à conclusão de que, a visita do presidente senegalês à Guiné-Bissau pode ser entendida no seu sentido principal como um gesto diplomático, mas que está carregada de “não ditos” que de uma forma a outra está carregada de mensagens subliminares que criticam de forma simbólica a decisão de dois coligações políticas de assinar um acordo puramente nacional em solo francês. Está análise ganha ainda mais força se vejamos o que tem vindo acontecendo com a França e os países de Ocidente nesta região. A presença física do líder senegalês na Guiné-Bissau representa e reforça a mensagem de que a África deve ser o centro de suas decisões, tanto no plano político, econômico, social, quanto simbólico.

Enfim, o convite de Putin ao presidente Embaló não é só uma cortesia diplomática. Ou seja, em termos geopolíticos, esse convite pode ser entendido como um movimento estratégico, tanto para fortalecer Embaló internamente quanto para testar os limites da influência ocidental na África Ocidental. Ademais, para o presidente Embaló é uma chance de mostrar que tem “amigos poderosos” (como o mesmo costuma dizer) e que pode jogar em várias frentes, ganhando mais espaço e poder de negociação no cenário internacional.

Por: Ivanildo Carlos Gomes

Mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Fundação Universidade Federal do ABC.

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