Um estudo realizado pelas diferentes organizações que zelam pela defesa das crianças talibés revelou que, atualmente se estima que na “grande região de Dakar”, capital do Senegal, sete mil e setecentas (7.700 ) crianças estejam em mendicidade nas principais ruas da capital senegalesa, das quais 30%, que correspondem a 2 310, são de origem da Guiné-Bissau.
Os dados foram revelados pelo Secretário Executivo da Associação dos Amigos das Crianças (AMIC), Laudelino Medina, durante uma entrevista ao jornal O Democrata para falar da situação das crianças talibés no país e dos trabalhos que têm desenvolvido no capítulo de regaste e na sua reintegração familiar.
O ativista social alertou, na entrevista, que a pobreza e a vulnerabilidade extrema de algumas zonas do país podem a agravar a situação de mendicidade na Guiné-Bissau. No entanto, fez duras criticas ao Estado, que diz não ter tido capacidade de dar respostas necessárias e acima de garantir o regular funcionamento das escolas públicas, por causa de sucessivas e crônicas greves, que têm impactado negativamente o direito à escola e à educação das crianças.
Durante a entrevista, Medina apontou as regiões de Bafatá e Gabú como zonas vulneráveis ao fenómeno e onde são registadas situações alarmantes anualmente, tendo acrescentado que somente este ano 2025, que ainda não fechou, a sua organização já registou 139 crianças.
“TALIBÉS SÃO CRIANÇAS QUE SE ENCONTRAM INSERIDAS NUM PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE LIVRO SAGRADO”
O ativista social afirmou que as crianças Talibés, são aquelas que se encontram inseridas num processo de aprendizagem de um livro santo, neste caso, o Alcorão, que diz não é nada mau, contudo frisou que uma das grandes preocupações da sua organização são os contornos dessas crianças Talibés, quando começam a ser obrigadas a mendigar nas ruas, expostas durante horas ao sol, em situação de perigo, porque no final do dia ou da jornada têm que levar algo para entregar ao mestre corânico.
”Se a criança não conseguir a soma que o mestre determinar, é seriamente batida e submetida a vários outros castigos desumanos. Costuma-se ver crianças talibés a mendigarem nas ruas a horas impróprias e mal vestidas. Comem mal e muitas vezes fazem toda a jornada de pés descalços com roupas rasgadas”, afirmou.
Laudelino Medina, frisou que perante essa situação, a AMIC, como organização que defende as crianças, não poderia, em nenhum momento, ficar de braços cruzados, tendo lembrado que desde 2005 que a AMIC está a trabalhar nesta temática e é membro fundadora da Rede da África Ocidental para proteção das crianças, que inicialmente integrava três países, nomeadamente a Guiné-Bissau, o Senegal e o Mali.
Segundo Laudelino Medina, a organização já está presente em 15 países da África Ocidental e mais a Mauritânia e desenvolveu metodologias próprias que lhes permitem identificar essas crianças talibés em situações de vulnerabilidade, sobretudo no contexto transnacional, proporcionar-lhes um acolhimento condigno e, a partir daí, efetuar pesquisas das suas famílias e a sua reintegração.
”A AMIC tem trabalhado neste aspecto há muitos anos e tem dados estatísticos que rondam a cerca de 3 mil crianças que foram resgatadas desta situação. Neste ano, 2025, a AMIC resgatou 139 crianças talibés e reintegradas nas suas respetivas famílias”, disse, anunciando que a organização tem uma lista para pesquisa de dez famílias de crianças talibés guineenses que se encontram em situação de vulnerabilidade na Gâmbia e outra mais 33 Talibés nacionais na vizinha República do Senegal.
Segundo o Secretário Executivo da AMIC, a mendicidade não se realiza apenas por um fator, mas sim por multiplicidade de fatores, incluindo o socioeconómico, porque “a maior parte das crianças da Guiné-Bissau é caracterizada como pobre”.
”Quando as crianças entram nessa situação de pobreza extrema, não podendo usufruir de condições condignas de sobrevivência, de habitação, de alojamento, de vestuário e garantir a sua escolarização, a mendicidade surge como uma das opções para suprir algumas necessidades “, admitiu.
AMIC CRITICA O ESTADO POR NÃO TER CONSEGUIDO ASSEGURAR O FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS PÚBLICAS

O ativista criticou o fato de cerca de 25 anos o país não ter tido capacidade de dar respostas necessárias a várias situações e sido capaz de garantir o regular funcionamento das escolas públicas, por causa de sucessivas e crônicas greves, que têm impactado negativamente o direito à escola e à educação das crianças.
Para Laudelino Medina, essa incapacidade para dar respostas a várias situações levou o país a ter um número considerável de crianças em idade escolar a mendigar nas ruas.
Outro fator referido pelo ativista, tem a ver com algumas práticas tradicionais nefastas, caso de casamento forçado e fanado (circunscrição das crianças no período da vigência das aulas) e para cumprir esses rituais as crianças são obrigadas a saírem das escolas para nunca mais voltarem.
”Praticamente, essas práticas ocorrem com maior frequência nas zonas onde há muita vulnerabilidade, familias pobres e, sobretudo, onde o Estado não consegue chegar. Nessas localidades, não existe serviços sociais de base, não há saúde e muito menos a educação. Às vezes enfrentam problemas gritantes de água e do saneamento básico”, afirmou.
Defendeu que, para encontrar uma resposta plena e sustentável, é preciso dar respostas, de uma forma realista, não apenas limitar ações na sensibilização, mas também criar condições para o desenvolvimento dessas localidades, dar escola a essas crianças, oferecer possibilidades para a implementação de escolas alternativas e religiosas bem organizadas.
Alertou, neste particular, que o “Estado tem que ter uma mão pesada na aplicação da lei, porque só por si só não pode resolver o problema”, afirmando que a resposta tem de ser holística, analisar a situação e atacar com tudo em diferentes vertentes.
Questionado sobre dados específicos das crianças guineenses em mendicidade no Senegal, respondeu que um estudo estima que na “na grande região de Dakar” sete mil e setecentas (7.700 ) crianças estejam em mendicidade nas principais ruas da capital senegalesa, das quais 30% são da origem guineense.
”Em 2019, a AMIC resgatou 98 crianças; 2020, 108 crianças; 2021, 129 crianças; 2022, 192 crianças; 2023, 181 crianças; 2024, 178 crianças e em 2025, que ainda não fechou, já foram resgatadas 139 crianças. Isso demostra a dimensão da preocupação em relação a essas crianças”, afirmou e responsabilizou todas as pessoas por estes dados alarmante que o país tem.
”É verdade que o Estado é o primeiro responsável, porque tem de coordenar as ações de resposta. Mas no fundo quem é Estado? O Estado é toda a população, por isso cada um é responsável a seu nível”, justificou, reconhecendo que a AMIC tem de continuar a fazer o seu trabalho de sensibilização e de resgatar as crianças, mas o Instituto da Mulher e Criança (IMC) também tem de fazer a sua parte, assim como o governo no seu todo, incluindo o primeiro magistrado da nação, o Presidente da República.
Admitiu que a AMIC sozinha não poderá vencer essa luta, nem o Estado terá essa capacidade sem o apoio dos seus parceiros, tendo desafiado a comunidade internacional a encarar esse desafio com seriedade.
Laudelino Medina defendeu que deve haver uma luta comum entre os Estados da sub-região (Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal), porque há crianças de outras nacionalidades a mendigarem no país, nomeadamente da Guiné-Conacri, para que se possa ter respostas transnacionais.
Segundo o banco de dados estatísticos da AMIC, em relação às crianças talibés em situações de vulnerabilidade, apontam Bafatá e Gabú como zonas com maior número, mas isso tem vindo a variar, porque o período em que AMIC concluiu os estudos, depois dos trabalhos de cartografia das famílias reintegradas, a maioria das crianças foram reintegradas na região de Bafatá, mas os dados oscilam de período em período, sendo as duas regiões com maior prevalência de talibés.
Neste momento, os dados indicam que AMIC tem dois centros de acolhimento e uma casa de passagem em Bafatá, o centro de Bissau tem a capacidade de acolher até 40 crianças incluindo adolescentes. Este centro tem dois compartimentos para receber rapazes e meninas separados, mas nos últimos tempos tem-se dedicado mais no acolhimento de meninas e numa semana entram cinco e saem duas.
”Anualmente, a AMIC recebe aproximadamente mais de 100 meninas. O centro já tem 96 meninas acolhidas, apenas no centro de Bissau. O centro de Gabú acolheu 139. Na casa de passagem em Bafatá junto à estrutura da Guarda Nacional também. O centro de passagem de Bafatá tem a capacidade de acolher até 12 crianças com a necessidade de proteção”, informou e disse ser chocante ver crianças a serem torturadas ou presas na polícia, por isso providenciou-se um espaço que serve de um abrigo para as crianças com necessidades de proteção em Bafatá.
”Se uma criança estiver em conflito com a lei e é da região de Gabú, em vez de passar a noite na polícia, passa a noite nesse espaço depois é encaminhada para Gabú ou Bissau conforme o caso”, disse.
ATIVISTA REVELA QUE ESTÁ EM CURSO A ELABORAÇÃO DE UM CÓDIGO DE PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS
Questionado se existe uma legislação sobre a mendicidade na Guiné-Bissau, informou que existe um estudo feito no âmbito do consórcio da Casa dos Direitos, em diferentes vertentes, nomeadamente sobre tráfico das crianças e no fim deste estudo conseguiram elaborar dois anteprojetos, o primeiro era projeto relacionado à mendicidade forçada, do casamento forçado. Estes dois anteprojetos são da lei do presidente da comissão para os direitos humanos da Assembleia Nacional Popular, que na altura era Luizinho Cardoso.
Explicou que estão neste momento no processo de elaboração de um código de proteção integral das crianças, porque seria mais vantajoso incorporar a situação de mendicidade dentro de um código de proteção das crianças, mas o código ainda está na Assembleia Nacional Popular à espera da sua apresentação, discussão e eventual aprovação.
”Em duas ocasiões foi agendado e depois não foi discutido e pouco tempo depois o Parlamento foi dissolvido”, lamentou.
”Os riscos são as perdas que o país e as famílias consentem. A idade média das crianças envolvida na mendicidade é de 4 a 16 anos de idade. É o período mais fértil de aprendizagem para qualquer ser humano. Isso foi comprovado cientificamente, a idade de aprender é dos seis anos, o cérebro se encontra desenvolvido a 80%. É o período que se deve estudar mais, mas é justamente neste momento que são lançadas a desafiarem as ruas. Isso, sim, é uma perda de valores mais importantes que uma sociedade e qualquer país pode ter. Ter recursos humanos expostos na rua pode ser tudo menos tratamento humano”, criticou secretário executivo da AMIC.
O ativista apontou o diálogo sério e franco, envolvendo a sociedade, como uma das soluções para resolver desses problemas, pois acredita que a falta de diálogo tem contribuído na evolução dessa prática na sociedade guineense, bem como de coordenação, uma liderança para coordenar o estudo, a vontade política e o envolvimento de todos.
”Antes não havia nada nem a sensibilização relativamente a essa questão, mas quando a AMIC começou a intervir as pessoas ficaram não só sensibilizadas, como também sensíveis aos trabalhos que temos feito e continuamos a desenvolver. Temos promovido debates e dado entrevistas o que suscitou muitas reportagens sobre as crianças talibés na Guiné-Bissau”, enfatizou o secretário executivo da AMIC.
Por: Agostinho Sousa/Natcha Mário M’bundé
















