A dupla de músicos nacionais de renome internacional, Evaristo da Silva (Iva) e Luís Mendes (Iche), afirmou numa entrevista para a rubrica “Grande Entrevista” do Jornal “O Democrata”, que a relação de amizade que os une e que já dura há mais de 20 anos deve servir de modelo para reconciliar a família guineense, porque representam o exemplo de entendimento, do respeito e da humildade e, por isso os guineenses devem segui-los.
Cada um desta dupla de artistas usou da palavra para contar a história da sua caminhada de mais de 20 anos no mundo da música, para promover o estilo musical “Tina e Sikó”, que naquela altura não era conhecido no mercado internacional, nem era usado nas pistas das discotecas do país. Os dois músicos conseguiram fazer uma fusão da música moderna e tradicional com o estilo “Tina e Sikó”, permitindo assim que o referido estilo seja ouvido e dançado a nível de todo o mundo.
Durante a entrevista falaram dos percursos e sucessos que conseguiram a nível do projecto “Netos de Gumbé” e do actual projecto em que estão inseridos, “Iva e Iche”, com o qual conseguiram produzir seis albuns.
“Comecei no grupo “Patamar” do Bairro de Santa-Luzia. Pertencia também ao grupo o músico Maio Coperante. Iche integrava também outro grupo que se chamava “Bambaram” do Bairro ‘Tchon di Pepel”, lembrou Iva.
O DEMOCRATA (OD): Iva e Iche constituem uma dupla inseparável, e formam uma equipa que promove a música tradicional guineense há anos. Não São irmãos biológicos nem parentes étnicos. Podem contar-nos como tudo aconteceu e desde quando trabalham juntos?
Iche: A relação de amizade que nos transformou em irmãos é uma relação divina. Ė uma coisa feita por Deus e só Ele mesmo, mais ninguém e, Graças a Ele conseguimos fazer mais de 20 anos de amizade e de trabalho no projecto musical “Netos de Gumbé” e mais recente neste projecto denominado “Iva e Iche”.
Graças à nossa união e através deste projecto conseguimos trazer ganhos para o nosso país. Os ganhos que conseguimos para o nosso país foram a promoção da cultura nacional pelo mundo fora. Conseguimos igualmente ganhar um disco de Ouro para a Guiné-Bissau.
Esta foi a nossa contribuição para a promoção da cultura guineense. Infelizmente há pessoas nesta terra que simplesmente ignoram ou não se interessam pelos ganhos que conseguimos e pelo nosso trabalho da promoção da cultura tradicional que temos feito, mas isso de facto tem a ver com o país que temos.
O volume de trabalho que fizemos para a Guiné-Bissau ou os ganhos conseguidos em termos de promoção da cultura tradicional com o estilo musical “Tina e Sikó”, apenas nós (Iva e Iche) é que podemos fazê-lo. Vivemos momentos de alegria e de tristeza ao longo desta caminhada, mas tudo o que fizemos até aqui foi feito na base do amor e paixão por aquilo que sabemos fazer, que é a música.
Sentimo-nos orgulhosos por tudo aquilo que fizemos para a promoção da nossa cultura tradicional no mundo. Fizémo-lo para a promoção da nossa cultura e para o povo guineense, portanto não o fazemos por encomenda. Quando assumímos esta caminhada tinhamos a consciência clara dos riscos que estávamos a enfrentar e inclusive até o risco da própria vida.
Reflectimos muito bem sobre os ganhos que de imediato poderíamos conseguir para a nossa família através da música. Aliás, como se sabe, viver da música é muito dificil na Guiné-Bissau. Sabemos isso, mas sobretudo calculámos as consequências quando escolhemos um estilo músical tradicional (Tina e Sikó) que não era conhecido no mercado.
A maioria dos músicos não consideraram ser possível obter sucesso no mercado com o estilo (Tina e Sikó), por isso preferiam outros estilos musicais. Se não nos tivéssemos levantado, estilos musicais como a “Tina, Sikó, Pé di Mucho” e outros teriam desaparecido e o país perderia com isso. Graças à Deus, conseguimos levantarmo-nos a tempo de salvar a cultura tradicional guineense.
A nossa decisão foi um acto de coragem e de determinação, porque acreditávamos que era possível que outras comunidades apreciassem o nosso estilo naquela altura. Era uma coisa nova no mercado e até os próprios guineenses não acreditavam que poderiamos ter sucesso no mercado com esses estilos.
OD: Quando é que iniciaram exactamente a trabalhar juntos?
Iche:
Iniciámos desde a década 70 do século passado. Naquela altura cada um estava no seu grupo, mas acredita que foi difícil para nós, porque ninguém nos dava valor e consideravam-nos de “marginais”. Porque cantávamos nas ruas e as pessoas não consideravam isso bom. E hoje, quando vemos os grupos de ‘Manjuandadi’ a tocar e a serem vistos e seguidos com uma certa admiração na sociedade, de facto, sentimos que deixamos algum legado.
A questão que colocamos sempre é a seguinte: qual é o reconhecimento do trabalho que fizemos para a promoção da cultura nacional? Precisavamos que outras pessoas falassem dos nossos sucessos ou contassem a nossa história, mas como isso é difícil na nossa terra, por isso é que estamos aqui para contar a nossa caminhada e o nosso sucesso.
Evaristo e eu passamos momentos difíceis em Portugal, sobretudo nos primeiros momentos da emigração… lembro-me que uma vez, o proprietário da casa que arrendámos mandou desmanchar o telhado de zinco da casa, porque tínhamos dificuldades em pagar a renda. Podiamos voltar a trabalhar nas obras como os nossos conterâneos guineenses ou fazer outro tipo de negócio para ganhar o dinheiro, mas preferimos lutar no mundo da música, em particular com o estilo gumbé (Tina e Sikó), para ganhar o dinheiro e ajudar para a nossa sobrevivência.
Sabiamos de antemão que o caminho seria difícil, mas acreditámos que todo o sacrificio consentido seria no sentido de fazer um caminho limpo para as futuras gerações, porque teriam, eventualmente o caminho já preparado para trabalhar no estilo de “Tina e Sikó”.
OD: Atualmente não existe praticamente grupo ou banda de música no ativo, além do Tabanka Djazz. Mas vocês continuam a resistir. Qual tem sido o segredo dessa União que resistiu mais de duas décadas?
Iva:
O grande segredo que nos une até hoje é o entendimento, o respeito e a humildade. A humildade, respeito e consideração mútua que temos um pelo outro é que nos dá a força no nosso trabalho.
A única coisa que fizemos e que nos ajudou a cimentar a nossa amizade até hoje… é transformar as nossas diferenças em força, ou seja, reconhecemos que somos diferentes e que cada um tem a sua forma de pensar e de agir, mas fazemos isso a nossa força. Se houver desentendimento no nosso seio, sabemos sempre resolvê-lo e sem passar por terceiros.
OD: Podem relatar-nos o vosso percurso no mundo da música: diferentes grupos de mandjuandade por onde passaram…
Iva: Eu comecei no grupo “Patamar” do Bairro de Santa-Luzia. Era um grupo a que pertencia também o músico Maio Coperante. Iche fazia parte de um outro grupo que se chamava “Bambaram”, do Bairro ‘Tchon di Pepel’.
Cada um de nós era uma referência no seu grupo. Foi a partir dalí que resolvemos juntarmo-nos para formar um grupo que denominámos de “Netos de Gumbé”. Não demos ouvidos à ninguém, mesmo havendo problemas entre nós, sempre procuramos encontrar solução entre nós e sem envolver mais ninguém.
Iche: Sobre a questão que nos colocou há bocado, quero reforçar o seguinte: Quando se fala de relação de amizade, de entendimento e de reconciliação, a dupla “Iva e Iche” deve ser tomada como referência a nível nacional.
Era bom que as pessoas começassem a analisar ou mesmo a estudar a nossa relação, sobretudo para apurar o segredo que nos une até hoje, aliás, que é a nossa força. Temos já uma relação de mais de 20 anos. Portanto isso deve ser um exemplo a seguir, ou melhor, a nossa relação de amizade deve servir como um modelo para reconciliar a família guineense, porque nós somos o exemplo de entendimento, do respeito e da humildade.
É verdade que passamos por muitas fases e desentendimentos, mas mesmo assim conseguimos ultrapassar sempre o motivo do desentendimento. O Governo deveria criar um programa televisivo ou radiofónico para explicarmos ou mostrarmos um exemplo da nossa amizade, mas infelizmente isso ainda não aconteceu.
OD: Estão a afirmar que vocês são exemplos de amizade, por isso devem ser tomados como exemplo para o país?
Iche: Claro. Porque não há ninguém que pode falar da relação de amizade e de entendimento neste país, para além de Iva e Iche. Diga-me, quem mais pode fazê-lo nesta terra? Se não conseguissemos tornar sólida a nossa amizade, teriamo-nos desentendido por causa da vaidosia, aliás, isso se regista todos os dias nesta terra.
Imagina se um de nós tiver uma música que tenha muito sucesso, poderia ficar vaidoso e mostrar ser melhor que o outro. Nós conseguimos ultrapassar isso, porque fazemos da nossa diferença, a nossa força. Independentemente do facto de cada um fazer a sua música, eu considero que a música de Iva é minha e que a minha também é dele, portanto é assim a nossa amizade.
OD: Porque optaram pelo estilo musical gumbé e sikó?
Iche: Crescemos nestes estilos músicais e são estilos que conhecemos, por isso não nos aventuramos por outros caminhos. O estilo musical é conhecido como um estilo da tabanca ou o estilo de música de bêbados, mas conseguimos pesquisar para torná-lo num estilo conhecido e reconhecido a nível mundial.
Nós fizemos esse estilo chegar a diferentes cantos do mundo. Os mais velhos (garandis) estavam a desaparacer e o próprio estilo estava a morrer. Foi dalí que levantamo-nos para salvar o estilo e graças a Deus conseguimos. Naquela altura muitas pessoas nos viram a cantar ‘tina e sikó’ e acreditaram que podiam ganhar algo conosco. Foi a partir dalí que um tal de “Domingos Yoga” realizou um festival de “Tina” no ano 1980/82.
Quando falamos da nossa vida, muitas vezes ficamos emocionados, porque sentimos muita pena do país que temos, onde ninguém valoriza o seu companheiro por causa da vaidosia e de outras coisas… se fosse noutro país, conseguir uma entrevista deste género connosco levaria dias ou semanas, acontecia apenas depois dos contactos com o nosso agente para agendá-la, porque somos músicos de grande nível. Não é a vaidosia, mas sim a mais pura das verdades.
Há músicos que chegam de Lisboa e dão entrevistas nas rádios locais a mostrar vaidosia, mas conhecemo-nos muito bem em Lisboa. Se nos forem criadas condições de trabalho para fazer a música, nós cantores guineenses, garanto-lhe que alguns músicos fugirão, porque não estarão em condições de fazerem a música.
Lembro-me que em Lisboa, quando estávamos nos estúdio para gravar música, o estúdio estava sempre repleto de pessoas, sobretudo os tugas, para verem o nosso trabalho. Porque faziamos façanhas a cantar o estilo tradicional.
Os “brancos” não acreditavam, porque usávamos instrumentos tradicionais para a gravação. Nunca tinham visto uma pessoa a tocar cabaz na água, para fazer uma melodia bonita, o sikó e outros instrumentos. Partilhamos os mesmos palcos com grandes artistas portugueses. Éramos muito admirados.
Temos uma diversidade cultural e é isso que nos deu força no mundo. Se houvesse condições e se tivéssemos uma grande biblioteca que fala dos nossos grupos étnicos, seria muito bom para o nosso trabalho de pesquisa. Temos a vontade e a capacidade de trabalhar na pesquisa da nossa cultura, de forma a podermos fazer a composição das músicas e baseando na história da nossa cultura.
Nós conseguimos obter um sucesso extraordinário em Portugal, que muitos artistas nacionais não conseguiram. Conseguimos ter sucesso, porque soubemos valorizar a nossa cultura e temos a capacidade de tirar proveitos graças à música.
OD: O vosso grupo editou quantos álbuns no mercado?
Iva: Já temos nove álbuns, se contarmos com o projecto “Netos de Gumbé” e o projeto “Iva e Iche”.
Iche: Quero explicar uma coisa, também vou tentar explicar aqui como começamos em Portugal. Quando saímos de cá para Lisboa, tinhamos uma ideia única de um projecto denominado “Netos de Gumbé”. Era um projecto de música tradicional. Portanto é bom esclarecer que não fomos a Europa fazer música moderna.
Quando chegamos a Portugal começamos por trabalhar nas obras. Mais tarde tiramos um curso de pedreiro para que pudéssemos ter mais ganho, de forma a podermos sustentar a nossa caminhada, que não foi facil.
Iva: Eu lembro-me que um dia fomos a um mercado fazer compras. Acabamos fazendo um pequeno show “romba” com as pessoas que ali estavam. Foi dali que um homem branco viu-nos a cantar e aproximou-se de nós, perguntando de onde vínhamos… foi assim que começámos a nossa caminhada em Portugal, mas vou deixar o Iche continuar.
Iche: É verdade que foi assim que começamos, com esse homem branco. Acreditou, na altura, que podiamos fazer sucesso com o estilo musical “Tina e Sikó”. Custa muito a acreditar, mas conseguimos gravar e fizemos um sucesso enorme em Portugal.
Mandou chamar um engenheiro de son para apreciar o nosso trabalho e em particular, os materiais que usávamos. Eu estava a tocar a tina (cabaz dentro da água) e o Iva estava a tocar sikó (um instrumento musical tradicional, que é constituido de madeira e pele de cabra). Estávamos muito vibrados a tocar e a cantar ao mesmo tempo só nós dois, mas parecia que havia um conjunto musical de várias pessoas.
O engenheiro não acreditou naquilo que estava a ver e ouvir… aproximava-se do homem branco que nos contactou e sussurrava-lhe aos ouvidos. Vimos isso e percebiamos da alegria que estava no rosto dele, por isso sentiamos mais força e vontade de demostrar tudo o que sabíamos fazer.
No seguimento daquela apresentação, o homem acabou por nos contratar e levou-nos para morar num hotel, onde tínhamos tudo. O empresário assumiu todas as nossas despesas no hotel e queria que ficassemos focados nos ensaios para preparar a gravação em estúdio. Quero lembrar que fomos teimosos por isso conseguimos.
Os nossos irmãos guineenses desencorajam-nos, porque entendiam que jamais conseguiríamos ter sucesso com a “Tina e Sikó”. Pediam-nos sempre que deixássemos aquilo e voltássemos a trabalhar nas obras. Entendiam que se não podiamos continuar nas obras, seria melhor que regressássemos à Guiné-Bissau. Alguns até sentiam vergonha ao ver-nos a tocar “Tina e Sikó” na rua, em ambientes normais de divertimento. Podiamos até desistir e voltar ao trabalho nas obras, mas graças a Deus não demos ouvidos àquilo que as pessoas diziam de nós.
Naquela altura faziam-se contas e dizia-se que trabalhando seis meses nas obras poder-se-ia construir uma casa na Guiné ou mesmo comprar um carro para trabalhar como transporte público, para apoiar a família. Rejeitamos tudo isso. Isso fez com que as pessoas pensassem que não queriamos trabalhar nas obras. Chamavam-nos “Amontons”, preguiçosos.
Sacrificámos a nossa família em detrimento da pátria, porque escolhemos continuar com a música no sentido de ajudar na promoção da cultura guineense. Hoje ninguém pode falar do patriotismo nesta terra mais do que Eva e Iche. Ninguém pode falar aqui em Bissau que é patriota mais de que nós, não vamos aceitar. Amílcar e mais outros combatentes que deixaram tudo e foram a luta para libertar o país, podem gabar-se de serem patriotas. Sim, vamos permitir isso.
Para terminar essa parte, eu gostaria de explicar que o projecto Iva e Iche é a fusão entre a música tradicional e a música moderna. Entramos num mercado, onde o produtor que investe o seu dinheiro para a gravação da música, obriga o cantor a fazer músicas que seguramente venderá no mercado.
Gravamos o primeiro album que denominados “Boa Bonita – Noiba Manjacu” e o álbum foi produzido na base da fusão da música tradicional e moderna. Conseguimos um enorme sucesso que deixou todo o mundo admirado. Foi a partir dali que a maioria dos artistas guineenses radicados em Lisboa começaram a mudar, para aderir ao estilo tradicional e moderno, ou seja, tocar o estilo puro de Gumbé.
Naquela altura os nossos músicos tocavam o estilo musical cabo-verdiano, congolês e entre outros. Esses estilos foram ouvidos primeiro em relação ao nosso estilo musical, mas isso deve-se ao facto de que eles emigraram primeiro de que nós e por isso as músicas foram conhecidas muito mais cedo. Devemos lutar e continuar a luta para a promoção da nossa cultura que é muito rica e não entrar a cantar os estilos de outros. Se assim nos comportarmos, estaremos a promover aquela cultura em detrimento da nossa.
Com apoio do empresário branco a que fiz referência, produzimos o nosso primeiro álbum. Tivemos muitos sucessos e as pessoas (brancas) admiravam-nos muito ao verem-nos a cantar com panos atados no corpo e a tocar os instrumentos tradicionais. Passamos nos diferentes canais de televisão portuguesa e nos jornais, como “O Público” e o “Diário de Notícias” e até hoje temos esses arquivos connosco.
Lembro-me que faziamos parte de um grupo denominado de “Sons da Lusofónia”, onde estavam muitos artistas que fizeram sucesso naquela altura, nomeadamente Tito Paris, Dani Silva, Bonga e entre outros. Inaugurámos o Centro Cultural de Belém bem como participámos na campanha eleitoral de Ex-Presidente Jorge Sampaio.
Actuamos em grandes palcos em Portugal, com grandes artistas portugueses e outros da África lusofona. Fomos considerados o melhor grupo de Música Tradicional em Portugal. Logo alguns empresários começaram a pensar em levar-nos para fora de Portugal, ou seja, para fazer concertos musicais noutros países da Europa e nos Estados Unidos da América.
A nossa música era tocada por solistas cabo-verdianos e de outras nacionalidades, mas sentíamos que faltava algo. Ou melhor, sentiamos que os sons de toque tinham a influência dos estilos musicais dos países daqueles solistas, por isso resolvemos ganhar a coragem e apostar nos solistas guineenses, como Manecas Costas e Toni Dudo. Foi a partir dalí que iniciamos o projeto “Iva e Iche”, onde produzimos o primeiro disco “Boa bonita – Noiba Manjacu”. Queriamos que a nossa música fosse sentida e dançada pela camada juvenil e idosos, por isso fizemos a fusão de moderna e tradicional.
Pegamos na música de Tina e a transportamos para a viola e não só, como também introduzimos o sikó que é um istrumento musical que usamos muito. Isso levou as pessoas a gostarem e a dançarem a música de tina e incluindo as pessoas que não gostavam daquele estilo musical.
O nosso sucesso levou-nos a ter grandes editoras musicais como “Sons de Lusofonia”, que igualmente produzia a música do grupo Tabanka Djazz. Trabalhamos com aquela editora muitos anos e acabamos por ficar apenas nós e os Tabanka Djazz. Por último acabamos por cortar relação com o nosso empresário devido a questões financeiras.
Arrendava hotéis para nós, podiamos estar e gastar até 200.000 escudos, ele pagava as nossas contas sem problemas. Fazia gastos exorbitantes para pagar as nossas despesas, mas depois dos espectáculos dava-nos 5.000 escudos cada.
Percebemos que havia dinheiro e muito, que se ganhava através do nosso trabalho. Então cortamos com ele e passamos assumir directamente o nosso contrato. Logo no primeiro contrato, conseguimos ganhar uma soma de 450.000 escudos e houve uma vez que chegamos a atingir uma soma de 600.000 escudos.
A Câmara Municipal de Lisboa fazia grandes cartazes para a nossa publicidade nas ruas. Cantamos no mesmo palco com o músico maliano Salif Keita.
OD: A música “Si Kanua ka nkadja no na tchiga” é, com certeza, a música que fez uma análise interpretativa da realidade que viria a acontecer no país, na altura. Como se inspiraram para compor a música? Aliás, há vozes que ainda se interrogam sobre a vossa capacidade, ou seja, que são videntes (pauterus). Querem fazer comentários?
Ichi: Apostamos no trabalho. Foi uma coincidência positiva entre o momento em que a música tocava e o conflito político militar de 7 de Junho de 1998. Isso deu mais força à música. Não cantamos só para cantar, um músico tem de ser um investigador. Precisamos de apoios para prosseguir o nosso trabalho e a pesquisa para trazer à ribalta mais coisas.
Muitas coisas acontecem na nossa terra, mas não são interpretadas devidamente. Cada passo que damos e o que vemos no terreno interpretamo-lo em música. Somos “Djambacus”, é verdade. Músico é um intelectual, pensador, estudioso…, etc. Acompanhamos a nossa terra e sociedade de todas as formas.
Tudo o que se relaciona com a nossa vida, seja política, desporto ou cultura, leva-nos a fazer a nossa análise e no campo da música sempre procuramos o ângulo certo para fazer passar a nossa mensagem de alerta à sociedade sobre os diferentes assuntos da vida pública e política.
OD: Quer dizer que o álbum retratava exatamente tudo o que acontecia na altura?
Ichi: Sim. Antecipamos os acontecimentos e tudo aconteceu como anunciamos nas nossas músicas. Acreditamos que se você tivesse um canal para fazer passar a sua mensagem faria exatamente o que fizemos na nossa música. Não é novidade, porque todo o mundo estava ciente do que se passava na Guiné-Bissau. Qualquer um podia, a olho nú, ver a situação do país e perceber logo que o ambiente político não era nada favorável.
Estando na posse de meios para informar da situação, simplesmente fizemo-lo através da música e coincidentemente ficou provado que a nossa chamada de atenção era uma realidade. Portanto, pode-se concluir que não foi um trabalho menos inteligente. Fizemo-lo e aconteceu tal como anunciamos na música. A música ajuda muito a consciencializar as pessoas sobre determinados assuntos, quer no passado, presente e quer no futuro.
O que deixou muita gente inquietante foi o facto de termos deixado o país numa quarta-feira e no domingo deu-se início à guerra civil de 7 de Junho de 1998, que durou 11 meses. Um dos comentários que se faziam na altura era que sabíamos de tudo que se relacionava com o levantamento político-militar de 98, por isso cantamos e depois deixamos a Guiné-Bissau em guerra. Não foi exatamente assim como muita gente interpretou a nossa saída do país a Lisboa. Foi apenas uma mera coincidência.
OD: “No n barca na kanua di sal no na rema pa utru banda”…tinha outra explicação antes de 7 de Junho de 1998?
Ichi: Desculpe senhor jornalista, devo dizer-lhe que somos práticos na nossa ação. Não nos damos ao luxo de fazer uma auto interpretação da nossa própria música. Reservamos essa tarefa aos críticos literários e da música como forma de espelharem outra realidade que o nosso trabalho pode ter na sociedade.
Os políticos, por exemplo, quando estão na oposição somos amigos e quando estão de outro lado da política, isto é, no poder começam a ter outro sentimento contra os músicos ao ponto de sermos tratados como inimigos. Este facto é uma realidade, porque o que cantamos é uma realidade que vai contra as suas ações.
Uma vez em Lisboa, quando tiramos o “Piloto di Lancha”, Amine Michel Saad e Hélder Vaz confessaram-nos com franqueza que fazemos o que está fora do seu alcance.
Disseram-nos que cantamos “Piloto di Lancha” e o logo houve um golpe de Estado contra o falecido Presidente Koumba Ialá. Respondemos modestamente que somos “Djambacus”. E na altura muitas pessoas tentaram entender como é que conseguiamos galvanizar as pessoas em torno dos nossos temas músicais. Respondemos na altura que seria bom que começassem a acompanhar com a atenção o nosso percurso e o que cantamos, porque não contamos à toa.
OD: Qual é o álbum que vos valeu o Disco de Ouro?
Iva: O álbum “Kudutar Keia – Não há vergonha (Haja vergonha – numa tradução mais livre)” é que nos deu o Disco de Ouro já com o empresário guineense Papa Mané. Ele é um homem de negócios tinha muito dinheiro na altura, então ele comprava os discos para depois revendê-los no mercado e fez um grande trabalho neste aspecto.
Iche: Quero explicar uma coisa… o Disco de Ouro é ganho com muito investimento em dinheiro, porque é preciso que o empresário invista para pôr o disco no mercado. Ganhamos o disco de Ouro com o album “Kudutar keia”, graças ao empresário Papa Mané.
Ele investiu muito dinheiro naquele disco, por isso conseguimos chegar onde estamos e não estamos a inventar nada aqui, porque estamos a falar de um homem que na altura tinha muito dinheiro e que investiu muito naquele disco. Não é como agora, em que cada um inventa truques para ganhar o disco de ouro, porque ouviram que Iva e Iche já ganharam.
Iva: Apenas a nossa estadia no Estúdio faria perceber que aquele homem tinha dinheiro e que acreditava no nosso talento e por isso, decidiu investir em nós. E felizmente ele não se arrependeu, porque conseguiu revender os discos produzidos no mercado e isso valeu-nos o Ouro.
OD: Uma das vossas músicas ouvidas muito depois da guerra de 7 de Junho se intitula “Puti Di Mel Kebra”. Como surgiu a inspiração para compôr essa música naquela altura?
Ichi: Volto a repisar que somos músicos estudiosos e falamos um pouco de tudo que há e que se passa na nossa sociedade. Estamos metidos num campo onde não podemos cantar sem falar da política. Porque entendemos que essa tarefa não deve ser reservada apenas aos políticos.
O nosso dia -a dia – reflete-se na política, ou seja, a política é o reflexo daquilo que somos enquanto músicos. O que nos pode diferenciar um do outro, talvez é a forma de opinar de cada um sobre determinados assuntos, pois é salutar que cada cidadão fale da sua terra, das coisas que acha que devem ou não devem ser mudadas.
É claro que “Puti Di Mel” surgiu como uma forma de ajudar na reflexão, porque depois do conflito político militar de 7 de junho, o país preparava-se para as eleições e era oportuno que o eleitor fosse dotado de uma consciência clara da realidade antes da ida às urnas. Saiba que se começamos a explicar o conteúdo da música ou o que se refere, garanto-lhe que vamos fazer mais inimigos e isso pode custar-nos muito.
O jornalista tem insistido para que interpretássemos essa músicas. Mas seria tarde quando percebesse que nos estava a levar para um beco sem saída. Se tentarmos interpretar a nossa música, acredite que horas depois da publicação desta edição, alguém vai nos matar a tiro na praça pública.
OD: Ganharam um Disco de Ouro com o álbum “Kudutar keia”, em termos financeiros valeu-vos algo de concreto?
Iva: Nós fizemos um negócio com o empresário… Como se sabe, não há direitos de autor nesta terra e depois o Estado não ajuda e a maior verdade é que nós, os músicos, estamos a sofrer neste sentido.
Depois de termos feito o negócio com o empresário em Lisboa, ganhamos os direitos de autor. Noutra parte, não temos nada a ver com aquilo, porque é um negócio fechado. Espero que compreenda que não podemos revelar aqui a contrapartida financeira que tivemos na sequência do disco de Ouro, por se tratar de um sigilo profissional.
OD: Como está a vossa relação com os músicos da nova geração bem como com os vossos colegas da chamada velha geração?
Iche: Nós temos uma boa relação com todos os músicos da Guiné-Bissau. Acreditamos na nossa capacidade, por isso nunca tivemos problemas em relacionarmo-nos com qualquer um. Pena é que ninguém procura com frequência a dupla inseparável “Iva e Ichi”, a fim de poderem aprender connosco. A grande verdade é que no dia em que desaparecermos, é a Guiné-Bissau que vai perder, em particular os homens da música. Nós não temos nada a ganhar com eles, tanto a nova como a velha geração, mas eles sim, é que têm muito a ganhar conosco, através da nossa experiência nesse estilo de “Gumbé modernizado”. Já demostramos aquilo que podemos e o que é reconhecido a nível nacional e internacional.
O que eles fazem na música não nos interessa…imagina um guineense a participar num festival internacional para cantar o estilo “Rap, funana ou kizomba”! Para nós não há nenhuma piada nisso, aliás, porque o próprio estilo musical não é nosso. Mas se aparecer no palco com o estilo tradicional moderno, onde vai cantar a música do estilo pepel, manjaco, balanta ou tantos outros, aí sim. Há um jovem que se chama Cipriano que canta o estilo tradicional “pepel” e nós adimiramos-lhe muito, porque está a promover a cultura tradicional da Guiné-Bissau.
Os jovens podem cantar o kizomba ou rap, mas devem fundir esses estilos com a música tradicional guineense. Nós conseguimos fazer isso, fundimos o estilo “Tina e Sikó” com o estilo moderno e graças ao bom trabalho que fizemos, a música é dançada nas pistas das discotecas.
Isso é o que nos identifica. É com esses estilos que sentimos que estamos a representar o nosso país. É possível fundir o estilo ‘rap’ com o estilo tradicional guineense. Se os jovens conseguirem isso, certamente que a música será apreciada na medida em que conseguiu trazer algo de novo. É assim que se avalia a inteligência e a capacidade da criatividade do músico.
Somos nós “Iva e Iche” que apoiamos a maioria dos jovens da nova geração na Guiné-Bissau. Se quiser, pode perguntar aos jovens. Levantamo-nos de forma voluntária e sem nenhum ganho para apoiar os jovens. Essa aproximação que temos com a nova geração ajudou muito, porque conseguiram simular os conhecimento e a experiência que temos da música. Muitas vezes, ainda em estúdio, antes da gravação, fazemos a correcção da música e a maioria dos jovens gostam de trabalhar connosco. Acabam por ser eles mesmos a falar na rua da nossa capacidade.
Se a memória não nos trai, somos os primeiros a estabelecer uma primeira aproximação entre os músicos da velha e os da nova geração.
OD: Nos últimos tempos surgiram no país vários grupos de “Mandjuandadi”. Que leitura fazem desses grupos?
Iva: É um orgulho. E é importante que saibam ligar diferentes fenómenos sociais e estabelecer uma cooperação mútua. Que reine no seu seio a humildade para o bem da música nacional. A concorrência nunca faltará, terá que ser no sentido de contribuir para a afirmação da “Mandjuandadi”, e não para destruí-la.
Estamos dispostos a trabalhar com qualquer grupo. Somos voluntários e não temos problemas de trabalhar com ninguém, aliás, como se sabe, nós viemos do grupo de ‘manjuandadi’. Se hoje o Iva e o Iche estão a fazer o sucesso na música é graças a experiência que tivemos nos grupos de “manjuandadi”.
OD: Depois de vários anos pelo Portugal, em 2005 decidiram fixar a vossa residência na Guiné-Bissau. Algo correu mal que motivou o vosso regresso para a Guiné?
Ichi: Decidimos voltar definitivamente ao país, porque tudo o que tínhamos como meta chegou ao seu limite. Por isso decidimos voltar atrás e ver o que temos de concreto em termos materiais, para o bem da nossa família, porque passamos todo o tempo a defender a nossa pátria.
Temos os filhos e as nossas mães. O que temos para lhes deixar em termos materiais? a nossa mãe não podia ir pedir favores aos parentes, porque tem um filho que na Europa está a fazer sucesso na música. Imagina o nosso nome “Iva e Iche” e a nossa mãe a pedir favores, será que vai conseguir alguma coisa?
Voltamos para o nosso país e não cobramos tudo aquilo que fizemos pela nossa terra, mas achamos que o país deve rever o nosso desempenho e ter em consideração o nosso trabalho e ver o que se pode fazer por nós. O que no nosso ponto de vista, passava pelo investimento que permitiria abrir novos horizontes no campo musical com o selo da Guiné-Bissau, mas tal ainda não é o caso.
Nunca foi nossa intenção participar em qualquer que fosse campanha eleitoral, porque priorizamos o povo. Mas a situação financeira pouco famosa e atendendo às proposta que tivemos dos políticos, fomos obrigados a participar na campanha eleitoral e hoje temos a nossa própria casa de que nos podemos orgulhar. Essa é a razão que nos levou a participar na campanha eleitoral ao lado dos políticos, mas infelizmente que acabou por nos dividir.
É bom reconhecer que a nossa entrada para as campanhas políticas e eleitorais dividiu, em grande parte, a relação entre os músicos. A Guiné é nosso orgulho, mas não conseguimos tocar ou fazer grandes concertos musicais, porque o país não tem condições em termos de instrumentos musicais e espaços adequados onde os músicos possam atuar para o seu grande público.
OD: De 2005 a 2014, participaram em todas as campanhas eleitorais. Isso é que rendeu a cada um de vocês uma vivenda?
Iche: Exactamente. Além da casa que conseguimos construir na Guiné, consseguimos ainda uma viatura para cada um de nós. Ganhamos dinheiro que nos permitiu resolver muitos assuntos das nossas famílias. Ganharmos 20 a 25 milhões de francos CFA cada, apenas numa campanha eleitoral é significante.
É claro que se na próxima campanha surgirem mais propostas, vamos trabalhar nisso. Dantes ganhámos 15 milhões e mais um carro. A tendência é subir mais. Não vamos atrás dos políticos, eles é que nos procuram para dinamizar a sua campanha política.
OD: A vossa participação na campanha eleitoral é mediante o pagamento completo do contrato?
Iche: Após a assinatura do contracto o candidato entrega 50 por cento do montante acordado, depois, a uma semana do fim da campanha pagam-se os outros 50 por cento.
Alguns candidatos ainda têm dívidas connosco em termos de materiais, ou seja viaturas que nos prometeram durante a assinatura do contrato. Mas relativamente ao dinheiro acordado, isso foi pago na sua totalidade antes mesmo do fim da campanha eleitoral.
OD: Fala-se na desorganização das estruturas que promovem a cultura na Guiné-Bissau. Se a um de vocês fosse confiada a direçao -geral de cultura, qual seria a sua prioridade?
Ichi: A Guiné-Bissau é um país imprevisível. Pode-se traçar agora um plano para curto, médio e longo prazo, mas nada garante que esse plano venha a ser cumprido escrupulosamente no devido tempo. As constantes instabilidades políticas e económicas são os maiores estrangulamentos para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Para os políticos, a cultura está sempre em último plano. Indo a sua questão, priorizava a criação de uma escola de música para elevar o nível académico dos músicos em diferentes vertentes musicais, a seguir viria a criação de um espaços de espetáculos em cada região. E se isso tudo for materializado na verdade, então os músicos estariam em condições de prosseguirem com os seus trabalhos e certamente que não ficariam mais a espera dos políticos para sobriviver.
Não tivemos a oportunidade de ir à escola de música, mas seria salutar que a nova geração tivesse essa oportunidade e o privilégio de se formarem no que sabem fazer. Se forem criadas as condições e baseando naquilo que mencionamos em cima, saberemos quem são os músicos de verdade.
Os músicos querem organizar a sua vida e a própria classe, mas o nosso grande problema tem a ver com a pobreza. Imagina se tivessemos meios e recursos suficientes para fazer o nosso trabalho …mas com todas as dificuldades de ordem financeira e das péssimas condições de trabalho com que nos deparamos, é complicado.
A cultura não é tida no primeiro plano pelos governantes desta terra. Até hoje não podemos ter um Museu da Cultura ou uma biblioteca bem equipada, onde se pode fazer a pesquisa sobre a cultura dos diferentes grupos étnicos do país.
Isso seria muito bom, dado que permitir-nos-ia conhecer ou aprofundar o nosso conhecimento sobre a cultura pepel, balanta ou mandinga, através do qual poderiamos pôr na prática a pesquisa feita. O país não está a aproveitar os valores que possuiu no sector da cultura e o único a perder com isso tudo é o próprio país, mas infelizmente os nossos governantes não se interessam disso.
OD: Iche dirigiu Associação de músicos SICO, também recentemente fez parte da direção de Associação de músicos profissionais. Dá impressão que a vossa clase tem muita dificuldade em organizer-se e tirar proveitos. Têm algum comentário?
Iche: Não se pode organizar nenhuma classe na Guiné-Bissau, se o próprio Estado não está organizado. A organização começa-se no Estado que tem de definir as coisas de forma bem clara, depois cada sector ou classe tenta organizar-se.
Mesmo assim tentamos organizar a nossa classe, de forma a podermos tirar o proveito das nossas capacidades, mas acredita que é difícil nesta situação. Realizamos várias reuniões para definir os projectos a serem materializados, mas com a dificuldade na execução dos nossos projetos devido a situação da pobreza ou de falta de apoios, nada conseguimos. É difícil dirigir uma organização nestas condições.
Imagina se tivéssemos meios, através da associação poderiamos criar condições para deslocar os músicos às regiões. Na base destes concertos sairia uma certa percentagem para o fundo da própria organização, mas infelizmente não temos esses meios.
OD: Músico guineense continua a viver na pobreza, tem explicação sobre esse fenómeno?
Iva: A corrupção instaurada pelos políticos no país é a razão do empobrecimento do povo guineense. Não há nenhum sector que evoluiu mais que outro. O único caminho para se enriquecer depressa é através da política. Hoje, todos os sectores que podiam dar impulso à economia do país ficaram inoperantes e impotentes, porque os técnicos foram parar a política para ter dinheiro rapidamente.
Nós temos a riqueza na nossa mente e infelizmente não somos capazes de criar as condições necessárias, a semelhança daquilo que se faz nos países vizinhos, para que possamos trabalhar e ganhar dinheiro.
Um intelectual é quem deixa bom legado. Luís de Camões morreu sem deixar bens materiais, mas deixou obras, que hoje são estudadas em muitos países do mundo. Muita gente que hoje anda na nossa praça pública a vangloriar-se, eram traficantes de drogas. São respeitadas, porque têm dinheiro e podem comprar a consciência dos cidadãos. Vão a bancos contraem empréstimos e não pagam as dívidas.
OD: Quem é o vosso artista preferido, ou seja, que admiram mais na Guiné-Bissau em termos de talento?
Iva: Não queremos responder a essa pergunta. O estatuto que temos não dá para entrarmos nisso, que o artista tal ou outro é que admiramos. Todo o artista guineense merece o nosso respeito e admiração. Tudo é bom em termos profissionais para nós, porque cada qual está a fazer o seu trabalho.
Iche: Temos a nossa preferência, mas não podemos revelar aqui através desta entrevista que admiramos mais o fulano e que para nós é o melhor. Temos um estilo de trabalho que admiramos mais e muito, mas se um dos nossos colegas trabalha neste estilo com toda a perfeição e com certeza vamos admirá-lo. Hoje em dia podemos afirmar aqui que “Iva e Iche” admiram muito o jovem artista Cipriano que canta a cultua pepel.
OD: A produção musical guineense está cheia de estilos Zuk, house… Gumbé e Tina não conseguiram impor-se?
Iche: É verdade, estamos no mundo de jovens e temos que aceitar certas coisas. Os jovens estão a acompanhar o desenvolvimento do mundo através da televisão das redes sociais, portanto isso faz com que os jovens se interessem mais por aqueles estilos musicais.
Esses estilos musicais que estamos a referir não são melhores que os nossos, mas o problema é que foi investido muito dinheiro para a sua promoção. Infelizmente não fizemos nada aqui para promover ou apoiar as pessoas que estão a trabalhar no nosso estilo, de forma a promoverem o nosso estilo no mundo.
Iva: Outra razão é que as estações emissoras do país tem contribuido muito na promoção daquele estilo musical no nosso país em detrimento do estilo Gumbé. As rádios locais passam todo o tempo a promover o estilos Zouk, house e rap.
Apenas têm um programa de uma hora para o estilo da música ‘Tina’. Estão a contribuir para matar a nossa cultura e o mais triste é que cegamente estão a fazer isso sem se perceberem.
Os apresentadores dos programas radiofônicos levam horas de tempo a falar da vida de músicos de outras nacionalidades que cantam Kizomba ou outros estilos. Esse músico foi promovido no seu país para chegar onde está, mas isso não significa que é melhor que qualquer outro artista guineense. Porque é que não podem fazer uma pesquisa sobre a vida dos músicos guineenses para falarmos deles. Isso seria uma contribuição para promover a cultura do país e o único a ganhar com isso seria o próprio país.
OD: As vossas músicas sempre eram de intervenção e crítica. Nos últimos tempos as coisas mudaram?
Ichi: Não, sempre fomos e continuamos a ser interventivos nas nossas músicas. O nosso público está habituado e não podemos sair desse estilo ou desvincularmo-nos da nossa realidade.
OD: Que observação fazem, em termos de consumo, da música guineense nos PALOP’s, na CPLP e no espaço CEDEAO?
Ichi: A nossa música é consumida menos nesses espaços, porque priorizam a música local. No Senegal, por exemplo, a música de Youssou N´dour é vendida mais cara do que qualquer músico de outra parte do mundo. O Marketing tem que começar a funcionar internamente incluindo os jornalistas também. Hoje, ouve-se jovens na rua e nas bancadas a falarem mais de músicos angolanos do que guineenses.
O último festival “sagres” é exemplo de que cada povo consome mais e com à vontade o que é seu. Os músicos estrangeiros que atuaram no festival, não se diferenciaram de ninguém da Guiné-Bissau.
Escolhemos a música vamos encará-la até ao último suspiro da nossa vida. Não se pode esperar algo de extraordinário em nenhuma organização social guineense, se o próprio Estado não está organizado. É verdade que o grande desentendimento que sempre houve no seio dos músicos nasceu da questão económica (dinheiro).
OD: O que é que Iva e Iche faz, além da música?
Iche: Apenas fazemos e vivemos da música neste momento. Antes de sair da Guiné, fui professor das Ciências Sociais no ciclo. Fui professor de muitas pessoas nesta cidade que hoje estão a dirigir o país como ministros ou Secretários de Estado. Fui professor da cantora Enaida Marta, Carina, Albano Barai.
Trabalhei nos portos de Bissau e se não fosse a minha paixão pela música, se calhar hoje teria muito dinheiro. Porque iriamos também roubar sacos de dinheiro como tem acontecido aqui. Como se sabe, a maior receita do país vem dos portos, eu estava no controlo da secção das máquinas. Controlávamos horas do trabalho da máquina, mas podiamos negociar com os empresários e receber dinheiro.
Iva: Eu fui o jogador no clube de Bairro Ajuda. Depois fiz um curso de treinador de futebol. Fui mestre de estaleiros, onde trabalhei nos estaleiros navais há muitos anos. A verdade é que deixamos muitas coisas para trás, de forma a seguirmos com a música.
Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú


















