Comemoração de 1 de junho: CRIANÇAS TALIBÉS FOCADAS EM COMPLETAR RECEITA DIÁRIA PARA MESTRES CORÂNICOS 

O mundo infantil comemorou hoje dia internacional das crianças, mas na Guiné-Bissau as crianças talibés ficaram o dia todo focadas em completar receita diária para mestres corânicos, debaixo do sol, nos corredores do mercado de Bandim com latas, descalças e roupas esfarrapadas, a mendigar.

Tudo isso aconteceu num dia em que a maior parte das crianças guineenses festejaram o dia com doces, enquanto as talibés provavam o gosto amargo de ser criança na Guiné-Bissau, sem nenhuma proteção nem respeito pelos seus direitos.

“MESTRE BATEU-NOS, A MIM E AOS MEUS COLEGAS, VÁRIAS VEZES POR NÃO TERMOS COMPLETADO DINHEIRO”

Na Guiné-Bissau, não há ainda dados concretos das crianças sujeitas à mendicidade, porém, alguns estudos estimam que mais de 100 crianças por mês são obrigadas a mendigar às vezes sem o consentimento dos pais e encarregados de educação. Os mesmos estudos indicam que são os pais que, em maioria dos casos, autorizam seus filhos e educandos, deixando-os partir, com a intenção de se beneficiarem de melhor preparação para um “futuro brilhante”.

As crianças talibés abordadas pela repórter de O Democrata esta quarta-feira, 1 de junho de 2022, convergiram quando revelaram que no final do dia os mestres corânicos exigem que levem seiscentos (600) francos CFA, caso contrário são severamente castigadas e obrigadas a completar o valor.   

As crianças talibés são do sexo masculino. As meninas são sujeitas apenas a mendigar, sem necessariamente frequentar uma escola corânica e correm risco de sofrer o abuso sexual. Os seus direitos não são respeitados e são vulneráveis à exploração.

Talibé é o nome dado aos alunos que aprendem o alcorão ou aos meninos que pedem esmola. Geralmente gozam muito pouco dos seus direitos e tornam-se adultos antes de serem crianças pela vida dura que levam.

Durante o percurso, a repórter encontrou o menino Suleimane, o menino Suleimane, de aparentemente 13 anos de idade, natural de Candjufa, região de Gabú, dentro do mercado de Bandim, que lhe contou que nunca ouviu falar do primeiro de junho, mas sabe tudo sobre acordar de madrugada pelas cinco da manhã e voltar às 14 horas para a escola corânica.

Pávido no meio da multidão, a criança parecia assustada e estranha a conversa que estava a ter com a repórter. Ainda assim conseguiu exprimir-se com uma voz trémula, na sua língua, fula.  Suleimane disse que na sua aldeia, Candjufa, frequentava apenas a escola corânica para aprender a ler, mas em Bissau só mendiga.

Apesar das dificuldades que tem enfrentado, disse que nunca lhe passou pela cabeça a ideia de fugir porque o motivo de estar em Bissau é ler o alcorão, mas passa a maior parte do tempo nas ruas a mendigar.

“O mestre bateu-me, e aos meus colegas várias vezes por não  termos completado o valor exigido por  ele”, contou.

Nas paredes das escolas corânicas, de manhã à noite, os meninos talibés fantasiam com sonho de serem crianças, nem que seja por um dia, mas a realidade amarga das ruas de Bissau faz com que elas tenham apenas o céu e estrelas como melhores amigos.

Buba Seide, natural de Sintchã Iaia, uma aldeia situada entre Gabú e Pitche, disse que não sabe a sua idade, mas aparenta ter uns 7 ou 8 anos de idade.

Buba Seide contou que quando sai para pedir esmola, só come quando alguém lhe oferece comida na rua ou quando volta à escola às 14 horas.

O menino salientou que se conseguisse ajuda, regressaria para casa dos seus pais porque está cansado de abusos a que é sujeito, também sente saudades dos amigos, das pessoas que conhece e da sua família, confessando que não sabe absolutamente nada do primeiro de junho.

“Só ando de beco em beco, atravesso estradas todos os dias, frequento os mercados de Bissau a mendigar para conseguir seiscentos francos CFA”, lamentou.

Por sua vez, Binta Queta, cidadã da Guiné-Conacri, disse que desde que chegou a Bissau nunca frequentou uma escola, mas no meio da conversa a repórter deu-se com a mãe a beliscar a filha e piscar-lhe olhos para dizer que está a estudar.

Binta Queta estudou alcorão em Conacri, mas em Bissau ela pede esmola das 7  às 19 horas.

Por: Djamila da Silva

Foto: Arquivo de O Democrata

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