Os líderes das principais organizações juvenis do país criticaram os sucessivos governos que passaram no país por virarem as costas aos ensinamentos de Amílcar Cabral, acrescentaram que a juventude tem responsabilidades de trabalhar para a concretização do sonho de Amílcar Cabral.
As críticas das organizações juvenis foram registradas no quadro das entrevistas feitas com os responsáveis destas organizações para falar do legado de Cabral para a liderança juvenil, bem como debruçar-se sobre a situação da educação e da política em que a juventude é tida como um instrumento manipulável de “claque”. Os líderes das organizações juvenis ouvidos, são o presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), Vladimir Cuba, da Rede Nacional da Juventude (RENAJ), Abulai Jaura e a presidente da Confederação Nacional das Associações Estudantis da Guiné-Bissau (CONAEGUIB), Rosália Djedjo.
CNJ: “GUINEENSES NÃO DEVEM SENTIR-SE SATISFEITOS COM O FACTO DE AMÍLCAR CABRAL SER O ÚNICO A MARCAR HISTÓRIA”
O presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Vladimir Cuba, afirmou esta segunda-feira, 02 de setembro de 2024, que os guineenses não devem sentir-se satisfeitos com o facto de Amílcar Lopes Cabral continuar a ser a única pessoa a marcar a história da Guiné-Bissau, porque “depois dele não apareceu nem sequer um homem a tentar seguir o seu caminho para ser o segundo Cabral”.
“Isso é péssimo para um Estado como a Guiné-Bissau. Muitas pessoas falam de Amílcar Cabral, mas não aceitam sacrificar-se para se transformarem num super Cabral. Ele almejava ter um Estado em que vão aparecer mais pessoas com nível de responsabilidade e um compromisso superior, por isso numa das suas célebres frases, disse que a luta de libertação era o programa mínimo e o programa maior seria desenvolver a Guiné-Bissau, através de homens com formação superior a ele”, indicou.
Lamentou que isso não tenha acontecido por ter havido rotura em relação àquilo que deveria ter sido compromisso do homem guineense para com o desenvolvimento do país e a juventude tem a responsabilidade de concretizar o sonho de Amílcar Cabral.
Vladimir Cuba disse que a juventude deve sentir-se responsável e dizer a verdade e adotar um compromisso com a lei, não com agendas que não servem para nada, “não importa as consequências que virão dessa verdade, ela tem de ser dita”.
O Presidente do CNJ sublinhou que todo homem humanista sente-se orgulhoso com Amílcar Lopes Cabral, porque foi uma pessoa que marcou e vai continuar a marcar o mundo, de maneira que qualquer guineense deve sentir-se honrado e considerar que “somos um povo escolhido pelo facto de ter Cabral como o pai da nossa nacionalidade e nosso herói”.
“Basta seguir a lei, mesmo não utilizando as expressões de Amílcar Cabral, decorando o seu discurso. Consegue-se segui-lo, porque o sonho de Amílcar Cabral era ter um Estado de direito democrático”, acrescentou.
Sobre a participação dos jovens na política ativa do país, Vladimir Cuba assegurou que o que se assiste na Guiné-Bissau não é uma real participação dos jovens na política, mas é a instrumentalização política de jovens por quem está no poder e quer continuar, como também quem quer chegar ao poder.
Lembrou que jovens que estão nas estruturas dos partidos políticos, na sua maioria, são jovens sem agendas, porque alguns entram por causa do tio, fanatismo ou então querem emprego e não por causa da ideologia e esse não tem sido o caso.
“Prova disso, as pessoas movimentam-se de um partido para outro, porque não têm ligação ideológica com os partidos políticos”, insistiu.
“Quem nos dirigiu no período em que consideramos haver um estado independente, fechou a oportunidade para a juventude e deixou o único empregador, o Estado. Nos dias de hoje, quem quer conseguir emprego deve filiar-se numa formação política. Quando o partido perde o poder, essa pessoa muda logo para outra formação política, porque o seu vínculo é apenas conseguir um emprego. A nível da sociedade civil, tem-se verificado a contribuição da juventude, através das intervenções das organizações juvenis na elaboração da política nacional da juventude e outros documentos importantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, como também tem havido vozes críticas das organizações juvenis contra o atual cenário político para que haja mudanças. São contribuições da juventude”, afirmou.
O responsável juvenil defendeu que, para que haja a participação de jovens no processo da educação de qualidade, é necessário que as autoridades nacionais criem condições para que a juventude tenha acesso a educação de qualidade, que passa pela existência de infraestruturas escolares que permitam a juventude usufruir de melhores condições e programas, porque só assim estarão à altura de fazer face ao desenvolvimento não só do sistema educativo, mas também do próprio país e na ausência destes elementos não se pode pensar numa contribuição tão robusta da juventude.
“O atual sistema educativo formal guineense não é favorável àquilo que é o interesse da juventude como alternativa. Às organizações juvenis desempenham um papel preponderante no desenvolvimento da educação não formal, através de campos de formações realizados pelas redes juvenis no momento das férias, permitindo aos jovens terem conhecimentos transversais em vários domínios, não de forma aprofundada, mas superficial, uma tarefa que deveria ser da responsabilidade do Estado guineense”, criticou
RENAJ ADVERTE QUE “NÃO BASTA” APENAS CELEBRAR O CENTENÁRIO DE CABRAL, MAS REFLETIR
O presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis (RENAJ), Abulai Djaura, defendeu que não basta apenas celebrar o centenário de Amílcar Cabral com festas, mas também é importante refletir sobre o caminho percorrido até ao momento, se está certo ou não.
“A partir daí, poderemos julgar se é ou não necessário seguir as pegadas do pai da nacionalidade guineense e orientar-se com as suas ideias deixadas desde os primórdios da independência rumo ao desenvolvimento sustentável, honrando o seu legado”, assinalou.
Abulai Djaura entendeu que Bafatá, enquanto a cidade natalícia do Amílcar Cabral, deveria ser ornamentada através de intervenções sociais, económicas e infraestruturais como forma de promover o seu desenvolvimento e realizar a celebração dos 100 anos naquela cidade leste do país.
Para Abulai Djaura, essa seria uma das formas de honrar Amílcar Cabral que não só deu a sua vida para este país, como também deixou orientação clara sobre a forma como os guineenses deveriam andar para a construção de uma nação próspera, tendo em conta o potencial que tem em quase todos os domínios.
“Devemos pegar nos ensinamentos de Amílcar Cabral e colocá-los em prática, porque são linhas mais que suficientese orientadoras para permitir que a Guiné-Bissau entrasse no topo de desenvolvimento a nível dos países da África Ocidental. Como não demos atenção a estes ensinamentos, o país está na situação em que se encontra. Este ano do centenário deveria servir de momento de reflexão para depois seguir o bom caminho, não estarmos a insultarmo-nos uns aos outros, ameaçando o futuro do país. A juventude pode jogar um papel importante neste momento, através de chamadas de atenção aos governantes como também aos jovens para assumirem as suas responsabilidades como Amílcar fez na altura de luta de libertação, enquanto jovem”, aconselhou.
O responsável da RENAJ disse que o sistema de ensino que a Guiné-Bissau dispõe, limita o pensamento do homem guineense, porque existe uma camada estudantil mais reprodutiva do que a produção de conhecimento, isso não vai ajudar o país a atingir resultados satisfatórios para o desenvolvimento almejado pelo povo guineense, defendendo que é preciso que haja uma massa pensante com capacidade de refletir sobre o estado das coisas que estão a acontecer ao longo do tempo, despolitizando o sistema educativo.
“O Ministério da Educação Nacional deve adequar os currículos escolares em função da necessidade da conjuntura nacional e global, porque só assim é possível promover um sistema de ensino de qualidade na Guiné-Bissau. É preciso que haja uma pressão e advocacia forte por parte das estruturas juvenis que existem no país no sentido de chamar a razão ao governo que há uma necessidade, enquanto entidade responsável para a execução das políticas públicas do Estado, de aumentar o bolo orçamental adequado à área da educação para não só servir para o pagamento das necessidades pontuais e salários, mas também fazer investimento no sistema para melhorar as infraestruturas escolares e criar condições para que os professores recebam formações contínuas para aperfeiçoarem os seus conhecimentos, adequando-se a conjuntura global atual”, defendeu.
Questionado sobre a participação dos jovens na vida política do país para a mudança do paradigma e andar no ensinamento do Amílcar Cabral, Abulai Djaura admitiu que se verifica uma participação massiva dos jovens no processo político partidário, mas uma boa parte daqueles jovens não estão minimamente preparados para representarem a juventude guineense na tomada de decisões e influenciar políticas públicas, através de críticas e sugestões, mas não tem sidoesse o caso em todos partidos políticos, porque “estão presentes para aplaudir os mais antigos, mesmo dirigindo mal o país. Fazem diretos nas páginas do Facebook para falar mal e elogiar outras pessoas, vão às ruas para receber dirigentes políticos em diferentes localidades”.
Djaura afirmou que o problema não reside apenas na participação de jovens na vida política, mas também assumir a outra postura que passa por impulsionar alguma mudança, pensar no desenvolvimento como era o sonho de Amílcar Lopes Cabral, “isso deve ser o papel de jovens neste momento em que estamos a celebrar o centenário daquele homem que marcou a Guiné-Bissau, a África e o mundo”.
CONAEGUIB DEFENDE O ENVOLVIMENTO DA JUVENTUDE NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Por seu lado, a presidente da Confederação Nacional das Associações Estudantis da Guiné-Bissau (CONAEGUIB), Rosália Djedjo, advertiu que a juventude deve ser envolvida não só como parte beneficiária daquilo que é processo educativo guineense, mas também deve ser envolvida na elaboração de políticas públicas para a juventude, dos currículos escolares e emitir a sua opinião junto dos técnicos que elaboram todos os documentos estratégicos do setor educativo para perceberem o que realmente a juventude espera aprender e agregar dentro do sistema educativo, e isso deve ser o papel da juventude, não servir apenas de um recipiente ou beneficiário.
No que diz respeito à participação política dos jovens, Djedjo assegurou que a juventude é maioritária na Guiné-Bissau e para exercer de forma cabal a vantagem comparativa em termos demográficos, deve ser ela mesma a representar-se e não um grupo de pessoas na posição de responsabilidade e de tomada de decisões, mas sim a própria juventude a decidir em pé de igualdade dentro das formações políticas para analisar um conjunto de benefícios e políticas para o bem-estar da juventude guineense.
“A juventude guineense está preparada para assumir a governação do país, porque temos uma juventude qualificada em termos de graus académicos. Temos uma juventude com uma certa maturidade daquilo que são as responsabilidades do Estado e a questão da pertença e nacionalismo. Temos essa referência positiva e acreditamos que podemos assumir as rédeas da governação, embora tenhamos algumas coisas por organizar e construir na nossa juventude. O que temos visto neste país é fruto de todo um conjunto de má governação que a Guiné-Bissau teve”, sublinhou.
A responsável da CONAEGUI admitiu que falta trabalhar na juventude a questão da honestidade, da verdade e trabalhar para o povo sem esperar uma recompensa, a questão de nepotismo, a corrupção, porque deveria-se incutir nos jovens que os valores morais e éticos são importantes, mas tudo isso tem a ver com falhanços que aconteceram ao longo dos 50 anos da governação.
Rosália Djedjo disse que para poder honrar o legado de Amílcar Cabral, é preciso fazer uma leitura aprofundada, mergulhado naquilo são os seus pensamentos e escritos para que “possamos estar em condições de citá-lo corretamente e inspirarmo-nos na sua vida e obras de forma mais viva, caso contrário é impossível conseguir continuar algo de bom deixado por ele.
Por: Aguinaldo Ampa