
No primeiro semestre do ano 2025, o Banco Mundial, em colaboração com o executivo guineense, apresentou o relatório denominado: “Guiné-Bissau: análise do Capital Humano”. E, no entanto, sem grandes surpresas, o relatório revelou os indicadores sociais e económicos pouco animadores. Até porque o país, efetivamente, carece de investimentos/financiamentos em setores estruturantes e catalizadores do desenvolvimento do Capital Humano: i.e., Saúde e Educação, fundamentalmente.
A par dos desafios multisetoriais identificados com que o país se confronta, tomei boa nota da análise, sobretudo, dos capítulos do relatório, que examinam a “utilização do Capital Humano e a produtividade entre a população em idade ativa na Guiné-Bissau”, que abrangem o trabalho, o emprego e a produtividade.
A experiência prática explica que o nosso PIB está sobremaneira subavaliado, na justa medida em que não tem havido, ao longo de décadas, investimentos sérios no sector real da economia, ou seja, há enormes défices do investimento no sector produtivo como sejam, a agricultura, a indústria, as infraestruturas, a energia, entre outros. A economia nacional se baseia na produção e na comercialização da castanha de caju. O nosso PIB per capita se situa entre os mais “baixos” do mundo, inferior a $800 em 2021 (BM, 2025).
Consta ainda no relatório (BM, 2025), que o mercado de trabalho é condicionado por um pequeno sector privado e as oportunidades de emprego são limitadas, o que conduz a elevadas taxas de desemprego, especialmente entre os jovens. Neste contexto, a utilização efetiva do Capital Humano, que é crucial para a geração de rendimentos pessoais e contribui para quebrar o ciclo da pobreza, continua a ser limitado.
Por outro lado, o fraco ambiente empresarial do país conduz a um sector privado relativamente pequeno com oportunidades de emprego limitadas (BM, 2025). Um pouco mais de metade dos indivíduos empregados com idades entre os 18 e os 64 anos são trabalhadores por conta própria e outros 20% são trabalhadores familiares.
Em outros termos, significa que quase 75% das pessoas empregadas não trabalham como assalariados no sector privado, provavelmente devido à inexistência de oportunidades ou a salários pouco atrativos. Outros 13% são trabalhadores assalariados não qualificados, o que significa que a maioria dos que trabalham no sector privado (não é qualificada), ou seja, não têm formação ou competências especiais.
Apenas uma pequena percentagem da população guineense, em idade ativa, está empregada em trabalhos qualificados – por exemplo, como mão-de-obra qualificada, supervisores, quadros superiores e gestores.
Em síntese, a maioria das pessoas trabalha por conta própria ou familiar, e o sector privado oferece poucas oportunidades de emprego. Muitos empregos disponíveis na Guiné-Bissau são, maioritariamente, caracterizados por baixa qualidade e baixos salários. Grande parte de indivíduos na mão-de-obra de trabalho está envolvido em atividades do sector informal, que muitas das vezes carecem de segurança social no emprego, estabilidade e acesso a benefícios essenciais. A maioria dos empregos não garante um bom nível de vida. Aproximadamente 75% de todos os indivíduos empregados (trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares) produzem os níveis mais baixos de consumo per capita.
Em relação ao empresariado nacional, as empresas na Guiné-Bissau são, tipicamente, caracterizadas pela sua pequena dimensão, com uma idade média de cerca de 10 anos, e são predominantemente privadas.
· Em média, as empresas têm 10,6 trabalhadores, a maioria dos quais são trabalhadores permanentes (95,8%). A idade média de 10,4 anos das empresas é inferior à média da África Subsaariana (15,1 anos) e à média global (19 anos) (Banco Mundial 2020).
· A maioria das empresas é de propriedade privada (91%), no entanto, 9,2% das empresas têm um mínimo de 10% de propriedade estrangeira e 1,2% das empresas têm um mínimo de 10% de propriedade governamental ou estatal. A propriedade é geralmente (masculina), uma vez que apenas 19% das empresas têm uma participação (feminina) na propriedade.
· As empresas da Guiné-Bissau enfrentam múltiplos obstáculos, incluindo o acesso ao financiamento, a informalidade, a corrupção e a falta de infraestruturas adequadas. Estes constrangimentos impedem as empresas de adquirir a maquinarias, as tecnologias e os equipamentos modernos necessários para operações de capital intensivo, sufocando a sua produtividade e competitividade.
· A prevalência da informalidade – muitas vezes devido à ausência de regulamentação formal e à fraca aplicação – agrava ainda mais estas questões, limitando o acesso das empresas ao crédito formal e impedindo o seu crescimento.
· A corrupção atua como um fator dissuasor significativo do investimento, introduzindo incerteza, distorcendo a concorrência leal e minando o Estado de direito, o que desencoraja os investidores nacionais e estrangeiros.
· A falta de infraestruturas adequadas, tais como eletricidade fiável, redes de transportes e sistemas de telecomunicações, coloca obstáculos significativos às empresas na Guiné-Bissau, impedindo a sua capacidade de operar eficientemente e de se envolver em atividades de valor acrescentado.
O que o relatório propõe como solução?
A resolução destes constrangimentos, através de políticas e reformas específicas, é crucial para a criação de um ambiente favorável que promova a mão-de-obra de capital intensivo que fomente o crescimento económico sustentável na Guiné- Bissau.
· O aumento da disponibilidade de recursos financeiros é particularmente crítico para reforçar o investimento do sector privado e melhorar as infraestruturas públicas. Os atuais constrangimentos financeiros limitam a capacidade das empresas de fazer os avanços cruciais para aumentar a produtividade e manter uma posição competitiva. Por exemplo, a resolução dos frequentes cortes de eletricidade constitui um desafio operacional significativo que tem de ser resolvido.
· Com as medidas e reformas políticas adequadas, o clima empresarial da Guiné-Bissau pode ser reformado para apoiar uma atividade industrial robusta e promover o crescimento económico a longo prazo.
Portanto, a meu ver, e como reza o ditado popular, creio que os números (ou melhor as estatísticas) valem o que valem, partindo do pressuposto que esses indicadores do Banco Mundial (2025) refletem, em grande medida, a realidade guineense tal e qual como ela é.
Por conseguinte, perante os indicadores (e sobretudo os desafios multissetoriais apresentados de forma contundente), penso que o sector essencialmente produtivo é daqueles que, também, clamam por um Capital Humano (qualificado) e capaz de promover o desenvolvimento social e económico almejado. Ainda há tempo e esperança para corrigirmos essas assimetrias, no que tange ao Capital Humano, com investimento necessário que se requer. Ainda bem que somos (otimistas) e sem deixar de sermos (realistas) em relaçao aos desafios que o nosso país vai enfrentando, decerto que o DESAFIO de Capital Humano é a prioridade das prioridades.
Por: Santos Fernandes
Bissau, junho, 2025
Referências
GUINÉ-BISSAU: Análise do Capital Humano. Grupo Banco Mundial, 2025