O analista político e jurídico, Fransual Dias, acusa o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de “má-fé e de favorecimento político” no processo de análise das candidaturas para as próximas eleições legislativas antecipadas e presidenciais de 23 de novembro na Guiné-Bissau.
“O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está a agir de má-fé, porquanto a Lei Eleitoral n.º 10/2013, de 25 de setembro, estabelece claramente as condições para a realização e organização do processo eleitoral. Este processo tem início com a receção das candidaturas, durante um prazo determinado, e prevê que o STJ, no prazo de 8 dias após o encerramento do período de receção, deve proceder à apreciação da regularidade e autenticidade dos documentos apresentados. É o que dispõe o artigo 19 da referida lei, que impõe ao STJ a separação de dois momentos distintos: o da receção das candidaturas e o da sua apreciação, este último iniciado apenas após o termo do prazo de entrega” disse o jurista em entrevista ao jornal O democrata esta terça- feira, 30 de setembro, para analisar o indeferimento da Plataforma Aliança Inclusiva – PAI Terra Ranka e Aliança Patriótica Inclusiva (API- CABAZ GARANDI).
“STJ DEVERIA SEGUIR O MESMO PROCEDIMENTO ADOTADO PARA A PLATAFORMA REPUBLICANA”
O jurista afirmou que o tribunal violou a Lei Eleitoral n.º 10/2013, ao indeferir as duas coligações da oposição, tendo acusado o STJ de iniciar a apreciação dos documentos de candidatura ainda durante o período de receção, contrariando o artigo 19 da legislação eleitoral, que determina que a avaliação deve ocorrer apenas após o encerramento do prazo de entrega.
“O que se verificou foi que o STJ iniciou a apreciação dos documentos ainda dentro do prazo destinado exclusivamente à receção das candidaturas, o que contraria frontalmente a legislação em vigor. Este período deve ser unicamente destinado à entrega de documentos”, criticou, apontando que o STJ justificou o indeferimento com base numa “impossibilidade objetiva” de cumprir os prazos legais, alegando que o processo levaria 72 horas. Contudo, argumenta o analista, segundo a legislação em vigor, o tribunal dispõe de oito dias após o fim do prazo de receção para verificar a autenticidade e regularidade dos documentos apresentados.
“O fundamento invocado pelo STJ não procede. O artigo 19 da Lei Eleitoral é claro ao estipular que a rejeição de documentos apenas pode ocorrer em caso de anomalias relacionadas com a sua regularidade e autenticidade. O STJ não pode invocar apenas a questão do prazo para justificar indeferimentos. Sobre os prazos, após o encerramento da receção das candidaturas, o STJ dispõe de 24 horas para notificar partidos, coligações e candidatos quanto a eventuais irregularidades constatadas. Estes, por sua vez, têm igual prazo de 24 horas para sanar as referidas irregularidades” argumentou.
Fransual Dias denunciou ainda um alegado favorecimento à coligação que apoia o Presidente cessante, Umaro Sissoco Embaló. Segundo ele, o STJ concedeu a esta coligação um prazo de 72 horas para corrigir irregularidades, quando a lei determina que o prazo é de apenas 24 horas.
“A mesma mão santa dada à coligação que apoia o Presidente cessante deveria ter sido aplicada às outras coligações. O STJ concedeu-lhe 72 horas para sanar as irregularidades, prazo claramente em desacordo com a lei. Após a apresentação dos documentos corrigidos, foram identificadas novas irregularidades, e o STJ concedeu mais 24 horas. Ou seja, o processo totalizou quase 100 horas. Aqui se evidencia um possível conluio entre o STJ e essa coligação” acusou, afirmando que o indeferimento liminar de outras candidaturas não tem respaldo legal.
“O STJ deveria ter seguido o mesmo procedimento adotado para essa coligação. É importante destacar que, no caso da coligação PAI TERRA RANKA, que entregou a sua candidatura no dia 19 de setembro e da coligação API Cabaz Garandi, que o fez no dia 23, o STJ dispunha de tempo hábil para comunicar eventuais irregularidades. A fundamentação apresentada pelo STJ é vaga e não encontra respaldo legal, sendo nula à luz do artigo 668 do Código de Processo Civil”, afirmou.
Para Fransual Dias, a exclusão da coligação PAI Terra Ranka, vencedora das últimas eleições legislativas com maioria absoluta, é excluir mais de metade da população guineense do processo democrático e que se trata de um erro grave, talvez o mais grave já cometido pelo STJ.
Outro ponto criticado por Fransual Dias refere-se à composição do órgão que tomou a decisão. Segundo ele, a apreciação das candidaturas deveria ser feita pela Secção Eleitoral, composta por três membros, e não por todos os juízes do STJ. Além disso, Dias afirma que o indeferimento foi decidido em plenário sem o quórum mínimo exigido por lei, de 8 juízes num total de 11, tendo apenas 6 magistrados participado.
“A deliberação não só carece de fundamentação legal, como também é nula, pois não cumpriu os requisitos de quórum”, denunciou.
Em relação à exigência de certidões de quitação fiscal como condição para a aceitação das candidaturas, o analista contestou a exigência por não estar prevista na atual Lei Eleitoral. Segundo ele, muitos candidatos da oposição enfrentaram dificuldades para obter o documento, enquanto candidatos ligados ao poder o conseguiram com facilidade.
“A imposição de certidões de quitação fiscal carece de base legal, visto que os requisitos para as candidaturas estão estabelecidos na Lei Eleitoral. Obrigar candidatos a obter essas certidões, muitas vezes com a chancela do Ministro das Finanças, reforça a perceção de uma estrutura montada para dificultar o caminho da oposição. Enquanto muitos candidatos da oposição enfrentaram dificuldades para obtê-las, os da situação pareceram fazê-lo com facilidade, sem qualquer manifestação pública de queixas. Isso alimenta a percepção de que o STJ está a judicializar questões eminentemente políticas” denunciou Dias.
Por fim, Fransual Dias apelou ao Supremo Tribunal de Justiça que reveja as suas decisões, aceite os recursos interpostos pelas coligações prejudicadas e restabeleça o equilíbrio e a legalidade no processo eleitoral.
“O STJ ainda pode corrigir esse erro grave, que ameaça a estabilidade política e social do país. É fundamental que a lei seja cumprida, por mais dura que ela seja”, concluiu.
Por: Tiago Seide



















